STF restaura validade dos diálogos de operação que vê “conluio” de procuradores e juízes da Lava Jato

27/12/2023 04h05 - Atualizado há 11 mêses

CNN teve acesso a conversas de procuradores da Lava Jato que mostram supostas "combinações" de fases da operação com a juíza Gabriela Hardt

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Reprodução/CNN Brasil (6.jun.2023)

Em mais uma decisão do STF neste final de 2023, a Suprema Corte brasileira revalidou os efeitos de uma decisão do juiz federal Eduardo Appio que apontou “animosidade” e “imparcialidade” da magistrada Gabriela Hardt nos processos da operação Lava Jato por um “suposto conluio” com os procuradores que fizeram parte da força-tarefa.

Os diálogos são oriundos da Operação Spoofing, e foram expostos pela defesa do empresário Márcio Pinto Magalhães, ex-representante da empresa Trafigura no Brasil que foi preso durante uma fase da Lava Jato que investigou o pagamento de propinas a funcionários da Petrobras.

Os advogados apontaram uma “conduta imparcial” de Hardt e por isso pediram a suspeição dos efeitos, fato validado por Appio, que estava à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Porém, em setembro de 2023, o TRF-4 anulou todos os atos do magistrado na Lava Jato por o juiz ter tido conduta “suspeita”, segundo a 8ª Turma da Corte, e a decisão foi invalidada.

Ao desenrolar do processo, a defesa de Magalhães elenca inúmeros diálogos envolvendo o ex-procurador Deltan Dallagnol e demais integrantes do Ministério Público entre 2015 e 2018.

A CNN teve acesso com exclusividade às decisões envolvendo todo este processo e as mensagens que embasaram a suspeição dos atos de Hardt frente a este processo.

O que revelam as mensagens

No dia 17 de dezembro de 2015, o chefe da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, se mostrou preocupado com o fato de a magistrada Gabriela Hardt, juíza substituta de Sergio Moro, se ausentar dos processos que corriam na 13a Vara Federal de Curitiba durante suas férias.

Em um diálogo com o procurador Diogo Castor de Mattos, Dallagnol escreveu:

“Caros, não teremos Moro, nem Gabriela, entre os dias 7 e 19 de janeiro, mas sim, Alessandro, da 14a Vara. Não sei nada sobre ele. Vou pesquisar.”

Diogo responde: “meu Chapa, fique tranquilo. Não acho que ele liberte alguém. Não eh [é] do perfil dele.”

Deltan replica: “Então quem que a gente vai prender????”

Em 2018, um homem identificado como “Paulo” é citado nos autos – possivelmente se trata do procurador Paulo Galvão. Ele questiona se deveria marcar uma reunião pessoal com a juíza Gabriela Hardt para deliberar “decisões que continuavam pendentes”, pois a Operação Lava Jato estava passando por uma fase de “menor prestígio”:

Paulo Galvão: “mas olha todo mundo aqui passa por mim e comenta ‘de brincadeira’ que a LJ [Lava Jato] vai acabar… acho bom mostrarem trabalho esse ano ainda!!! Seria o caso de ir conversar com a Gabriela para falar das operações pendentes de decisão? E outra, se deixar arrefecer não terão substituto.”

Um dia depois, os procuradores Deltan Dallagnol, Isabel Grobba, Jerusa Viecelli e Athayde Ribeiro Costa também trocaram mensagens sobre a necessidade de conversar com a juíza Gabriela Hardt para alinhar novas fases da operação:

Deltan Dallagnol: “Precisamos marcar reunião com a Gabriela sobre as fases pendentes de decisão. Temos só a do Athayde e Je [Jerusa]?”

Isabel Grobba: “com a Polícia havíamos pré agendado para o dia 21/11, mas não houve decisão.”

Athayde Ribeiro Costa: “a do JAP tá confirmada dia 30/11, com sinal verde da Gabriela. Tive que consultá-la porque Pace [delegado da PF Filipe Hille Pace] iria mandar a equipe ver endereços na segunda e havia uma resistência do Igor [delegado da PF Igor Romário de Paula], achando que só ocorreria a fase no ano que vem. De toda forma, importante a reunião.”

Jerusa Viecelli: “muito importante que saiam este ano as duas fases deferidas por Gabriela, para demonstrar que a LJ continua viva. Parece que haverá uma grande no Rio dia 10/11.”

Deltan: “vou marcar com ela pro começo da semana.”

Isabel Grobba: “Deltan, estarei aí e vou com você, tá?”

A Operação mencionada de fato aconteceu e foi batizada de “Sem Limites I”, cumprindo 10 mandados de prisão preventiva e 26 mandados de busca e apreensão com foco na “existência de uma organização criminosa que lesou a Petrobras na área de compra e venda de petróleo e derivados por ou para empresas estrangeiras”.

Em 7 de novembro de 2018, o MPF volta a expressar preocupação com uma nova escala de férias da, então, juíza substituta da 13a Vara Federal, Gabriela Hardt.

Os diálogos abaixo são das procuradoras Laura Tessler e Jerusa Viecili:

Laura Tessler: “pessoal, acabei de ver a nossa agenda (conectada também com a da 13a Vara Federal) que a Gabriela estará de férias de 19/11 a 9/12. É bom perguntar a ela quem ficaria com a LJ nas férias.”

Jerusa Viecili: “Perguntaremos, mas pode ser que ela cancele, já que o titular está de férias também.”

Já no dia 19 de dezembro de 2018, Dallagnol relata que esteve reunido com a juíza Gabriela Hardt e que ela teria cobrado ele por novas ações ajuizadas:

Deltan: “sem pressão, Gabriela disse sobre as denúncias, ‘poxa não chegou nenhuma ainda…’ Expliquei que estamos trabalhando intensamente e prometi avisar qdo [quando] protocoladas.”

Jerusa: “aproveita e fala pra ela parar de soltar todos os presos.”

Deltan: “Jan, não entendi bem, mas podemos conversar qdo [quando] quiser. Vou te mandar os laudos inbox, já.”

Welter Prr (possivelmente o procurador Antônio Carlos Welter): “diz pra ela aproveitar o dia de hoje para fazer as compras de Natal, porque no resto da semana ela vai ter muito que fazer.”

Deltan: “kkkk, disse isto pra ela: se ajudar, podemos enviar a minuta no estado atual para já ir apreciando. Está quase final. Não sei se vendi o que não temos kkkk, mas mostra uma alternativa, rs.”

No mesmo dia, segundo as conversas reveladas, a procuradora Jerusa Viecili teria solicitado que o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, enviasse as denúncias para Hardt e não para um juiz plantonista da 13a Vara de Curitiba.

Dallagnol respondeu, então, que durante uma reunião com Gabriela Hardt explicou para ela “as prioridades do MPF” e que, por isso, o próprio Ministério Público criou uma planilha no Google com os documentos para compartilhar com Gabriela, para que as decisões de interesse do MP fossem atendidas mais rapidamente.

Segundo fontes ouvidas pela CNN, a revalidação da ação de Appio fará com que outras decisões de Sergio Moro e Gabriela Hardt em processos da Lava Jato sejam suspensas, já que o “precedente foi aberto”.

O que dizem os citados

A CNN procurou todos os citados nesta reportagem. Por meio da assessoria do TRF4, a juíza Gabriela Hardt afirmou que prefere não se manifestar sobre o caso. O Ministério Público Federal disse que não vai se manifestar sobre este caso. A reportagem ainda aguarda um posicionamento da Superintendência da Polícia Federal e do MPF do DF.

Procurado pela CNN, Deltan Dallagnol enviou a seguinte mensagem:

“1. Deltan Dallagnol não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas criminosamente por hackers, que podem ter sofrido todo tipo de edição, alteração e deturpação e cuja imprestabilidade foi atestada em laudo técnico pela Polícia Federal.

2. Todas as conversas mantidas entre Deltan Dallagnol e outras autoridades sempre foram republicanas e no interesse da função institucional realizada por ele no Ministério Público Federal.”

Stêvão Limana da CNN