Saída de comandantes militares é sinal de alerta, dizem parlamentares
Para os políticos, essa ruptura pode colocar em risco o Estado Democrático de Direito
Flávio Veras
Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas – Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica) – pediram renúncia conjunta por discordarem do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
Todos reafirmaram que os militares não participarão de nenhuma aventura golpista, mas buscam uma saída de acomodação para a crise. Essa crise institucional, deflagrada pela postura de Bolsonaro, é vista com sinal de preocupação pela maioria dos parlamentares sul-mato-grossenses ouvidos pelo Correio do Estado.
Segundo a maior parte deles, essa ruptura institucional é perigosa, pois coloca em risco o Estado Democrático de Direito. Já sobre a minirreforma ministerial, ela foi vista como pertencente às prerrogativas do presidencialismo, ou seja, natural.
Além disso, a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores foi interpretada como positiva, pois ele atrapalhava a política externa do País, dificultando as tratativas comerciais e a aquisição de insumos e vacinas contra a Covid-19.
Para o líder da bancada sul-mato-grossense e senador Nelson Trad Filho (PSD), essa crise institucional com as Forças Armadas “era tudo que em uma guerra contra esse inimigo oculto não podia acontecer”.
“Desentendimento na administração pública, ainda mais no primeiro escalão, demonstra falta de foco do governo federal, o que é uma pena”.
O ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado analisou também os desgastes internacionais gerados pelo ex-ministro Araújo, principalmente com o maior parceiro comercial do Brasil e maior exportador de insumos e vacinas do mundo, a China.
Trad afirmou ser essencial que o País volte a ter um bom relacionamento com a comunidade internacional nesse momento de crise sanitária e econômica que a sociedade brasileira atravessa.
“Esse diálogo pode nos trazer benefícios na aquisição de insumos e vacinas, pois nós temos essa expertise de sermos reconhecidos com um País de ponta na fabricação de vacinas, o que poderia ser utilizado pelos nossos parceiros em outras oportunidades”, projetou.
SIMBÓLICO
Para a senadora Simone Tebet (MDB), a saída da cúpula militar às vésperas de 31 de março, data em que, há 57 anos, foi realizado o Golpe Militar no Brasil, é significativa.
“Os três comandantes das Forças Armadas pedem para sair, ou são convidados a deixar os cargos, porque não concordam com a politização nos quartéis. A história não pode ser negada nem reescrita ou esquecida. A democracia brasileira já adquiriu imunidade contra possíveis novas variantes autoritárias, mas requer constante atenção às tentativas de volta ao passado”, alertou.
Sobre a saída de Araújo, a senadora afirmou que o ex-ministro teve atitudes inconsequentes, lançou acusações que atingiram todas as instituições brasileiras e que a única alternativa era retirá-lo do posto para coibir ainda mais desgastes.
“Não adiantava somente podá-lo, porque a poda iria fortalecer a planta. Desse joio é preciso arrancar as raízes, fertilizar as mudas democráticas e ‘forjar na democracia o milagre do pão’. Ernesto e democracia não andam juntos. Não havia opção que não fosse a demissão”, explicou.
“ESTICANDO A CORDA”
Para o deputado Beto Pereira (PSDB), reformas ministeriais são comuns em governos. No entanto, “me chama a atenção a troca de um ministro muito sensato e discreto, como o agora ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo”.
O deputado declarou ainda: “Também causou alerta o pedido de demissão conjunta dos comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Essas saídas, combinadas com as declarações reincidentes do presidente, trazem uma certa preocupação. Nós democratas queremos as nossas Forças Armadas para defender os interesses do País, e não os interesses do presidente”.
As declarações às quais se refere o tucano foram dadas mais recentemente pelo presidente, durante as comemorações do seu aniversário de 66 anos, em frente ao Palácio da Alvorada. Bolsonaro sugeriu o uso do Exército contra governadores que aplicam medidas para reduzir a circulação de pessoas na tentativa de diminuir a taxa de transmissão do novo coronavírus.
“Alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde-oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”, disse o presidente a uma multidão aglomerada na frente do Palácio da Alvorada no domingo.
Essa posição de Bolsonaro, de se colocar como o “detentor das Forças Armadas” sempre que existe uma crise no governo ou entre os Poderes, também é alvo de críticas do deputado Vander Loubet (PT).
“Esse é mais um episódio que retrata o descontrole do presidente Bolsonaro sobre a sua gestão. É um desgoverno. Isso ficou mais escancarado ainda com a pandemia que temos enfrentado desde o ano passado. Além disso, ele segue querendo fazer uso político dos militares, ou seja, usar as tropas para fins particulares. Essa debandada dos comandantes é um sinal claro de insatisfação e de não concordância com essas intenções do presidente. Nós, parlamentares, e a população de uma forma geral, acredito eu, esperam que as Forças Armadas sigam como instituições do Estado, e que não flertam com esse comportamento golpista do Bolsonaro”, concluiu.
Defesa
O deputado Luiz Ovando (PSL), da base alída de Jair Bolsonaro, argumentou que essas mudanças são naturais e atendem os anseios do eleitorado que depositou sua confiança no governo atual.
“Mudanças são consequências do desgaste e calor gerado no relacionamento de qualquer ordem. Querem há muito desestabilizar o governo Bolsonaro. O eleito e depositário da confiança do povo foi o presidente Bolsonaro. Se os que foram escolhidos não mais correspondem aos anseios da população, o depositário da confiança popular está credenciado à troca necessária sem qualquer trauma que infelizmente é provocada pelos que perderam o poder e não se conformam," encerrou.
CORREIO DO ESTADO