Pesquisas apontam que 400 mil mortes poderiam ser evitadas; governistas questionam
Da esquerda para a direita: Pedro Hallal, Omar Aziz e Jurema Werneck
Quantas das mais de 500 mil mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil? De acordo com Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, quatro em cada cinco mortes pela doença no país eram evitáveis caso o governo federal tivesse adotado outra postura — apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas. Ou seja, de acordo com suas estimativas, pelo menos 400 mil pessoas não teriam morrido pela pandemia. Ele fez a afirmação nesta quinta-feira (24) durante audiência na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, da qual também participou Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta.
— Quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Se nós estivéssemos na média, como um aluno que tira nota média na prova, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil — disse Pedro Hallal.
Senadores governistas, no entanto, criticaram essa estimativa.
— É superficial esse tipo de afirmação, com tanta certeza, sobre a possibilidade de se evitar o número de mortos com essa ou aquela política. O coronavírus não respeita barreiras políticas, ideológicas, econômicas ou sociais. [...] O que ataco é a pesquisa, que não serve de parâmetro para nada em razão dos dados — declarou o senador Marcos Rogério (DEM-RO).
Já Eduardo Girão (Podemos-CE) afirmou que seria importante que o levantamento considerasse outros países, para permitir comparação.
— Erros nós tivemos no mundo inteiro — argumentou.
Além disso, Girão questionou o cálculo utilizado nas pesquisas para “depurar qual é a verdade”. Segundo ele, a CPI é uma guerra de narrativas.
O cálculo do pesquisador da Universidade Federal de Pelotas leva em consideração que os seguintes dados: 2,7% da população mundial vivem no Brasil, mas o país concentra 13% das mortes. E projeta quantas mortes por covid-19 teriam ocorrido no Brasil se o país tivesse tido um desempenho dentro da média mundial.
— Os cientistas não estão 100% certos sempre, estar 100% certo é muito difícil, mas o presidente errou 100% na condução da pandemia, e isso também é muito difícil — disse Pedro Hallal.
Segundo o pesquisador, só a demora na aquisição de vacinas e o ritmo lento da imunização resultaram em ao menos 95 mil mortes.
— Nós fizemos uma análise que estimou que especificamente o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac resultou em 95,5 mil mortes. E, logo depois, outros pesquisadores analisaram os dados não especificamente dessas vacinas, mas o ritmo da campanha de vacinação que teria sido, caso tivéssemos adquirido [a tempo], e eles estimaram 145 mil mortes especificamente pela falta de aquisição de vacinas tempestivamente pelo governo federal — relatou.
Os dados apresentados por Hallal convergem com levantamentos do Grupo Alerta, formado por entidades da sociedade civil — como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Oxfam Brasil, a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e a Anistia Internacional Brasil. Sem considerar o impacto da vacinação, esse grupo aponta, em outro estudo, que a pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. E que ao menos 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas com medidas não farmacológicas, testagem e rastreamento.
— A gente poderia ainda no primeiro ano de história da pandemia ter salvo 120 mil vidas. E não são números. São pais, são mães, são irmãos, são sobrinhos, são tios, são vizinhos. A gente poderia ter salvo pessoas se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas, tivesse sido implementada — ressaltou Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta.
Minorias
Jurema Werneck afirmou que o impacto do descaso do governo foi ainda mais severo sobre a população indígena, a população negra e os moradores de favelas e periferias. Com o apoio de professores e pesquisadores de universidades como UFRJ e USP, o Grupo Alerta compilou dados oficiais sobre mortes evitáveis entre a população mais vulnerável.
— As desigualdades estruturais tiveram influência sobre as altas taxas de mortalidade. E quando a gente cruza com diferentes marcadores, a gente vê que a maioria das pessoas que morreram no Brasil eram negras, eram indígenas, eram pessoas de baixa renda e de baixa escolaridade — destacou ela.
Um estudo da Universidade Federal de Pelotas coordenado por Pedro Hallal, que monitorou as taxas de infecção entre brancos, pardos, negros e indígenas, indica que a infecção foi cinco vezes maior entre as populações indígenas e duas vezes maior entre os negros. O senador Marcos Rogério criticou esse estudo, afirmando que o epidemiologista "não tem conhecimento" sobre a questão indígena. O parlamentar disse que dados oficiais apontam nove óbitos para cada 10 mil indígenas, enquanto que na população geral a relação seria de 24 óbitos por 10 mil.
— Você não pesquisou sobre índio, sobre comunidade indígena, não visitou nenhuma aldeia, não conhece, pelo jeito, pelo menos é o que está demonstrado aqui, como funciona dentro de uma aldeia indígena — criticou o senador.
Ao detalhar a metodologia desse estudo, Pedro Hallal explicou que o levantamento envolveu indígenas não aldeados (que vivem em áreas urbanas). O senador Rogério Carvalho (PT-SE), ao defender o epidemiologista, afirmou que o Centro de Pesquisa de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas é considerado um dos melhores e um dos mais importantes centros de epidemiologia do país, além de ser reconhecido mundialmente. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), lamentou o que chamou de "ataques à ciência".
— Nos tempos atuais, parece que se resolveu atacar a ciência e onde se faz ciência — declarou Randolfe.
O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) disse que o país tem que comemorar as mais de 16 milhões de vidas salvas. Em resposta, Pedro Hallal comparou essa comemoração à derrota do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014.
— Eu sempre fico com a sensação de que nós estamos, nesse caso, comemorando o gol do Brasil contra a Alemanha. Foi 7 x 1 o jogo, e a gente está comemorando que 16 milhões de pessoas ficaram doentes.
Censura
Ainda sobre esse estudo, Hallal disse ter sido censurado em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto para apresentação do levantamento, no ano passado. O pesquisador relatou que foi informado pela respectiva assessoria de imprensa, com 15 minutos de antecedência, de que a apresentação teria um slide (sobre a diferença da covid-19 entre os grupos étnicos) removido.
— O slide foi retirado da apresentação e eu fui comunicado 15 minutos antes. E, logo depois, pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem qualquer justificativa técnica.
Hallal foi questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), e pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), sobre quem teria ordenado a retirada do slide.
— Não posso responder quem tomou a decisão em nome do Ministério da Saúde: se foi o [então] ministro Pazuello ou se foi o [então] secretário-executivo, Elcio Franco. Eu entendo que é mais provável que tenha sido o secretário-executivo, porque é ele que estaria presente na coletiva — ponderou Hallal.
Segundo o epidemiologista, o levantamento Epicovid foi realizado em três fases, entre os meses de maio e junho de 2020, até ser descontinuado pelo Ministério da Saúde. Ele disse que o projeto custou R$ 12 milhões — e que R$1 milhão foi devolvido porque não foi utilizado. Só neste ano, de acordo com Hallal, um novo projeto para monitoramento da covid-19 foi lançado pelo governo, o estudo chamado PrevCov, com custo de R$ 200 milhões. O valor chamou a atenção dos senadores. Rogério Carvalho (PT-SE) disse que a CPI precisa solicitar informações sobre o novo estudo.
— Parece desmedido. Se faz um estudo, num ano, com R$ 12 milhões, e [depois] um estudo semelhante por R$ 200 milhões só nas regiões metropolitanas. Precisamos ter informações sobre essas questões — declarou Rogério Carvalho.
Em resposta a questionamento de Randolfe Rodrigues, Hallal disse que observou uma "mudança nítida de postura" quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino.
— E eu não tenho nenhuma dúvida de dizer que os resultados mostrando a diferença entre as populações de outras etnias e os indígenas foi o estopim para a motivação de descontinuidade do estudo — assinalou.
Fonte: Agência Senado