Perdão para Silveira é inconstitucional e afronta STF, dizem Ayres Britto e Reale Júnior
Juristas criticam decreto assinado pelo presidente nesta quinta-feira (21); Bolsonaro diz ter se baseado decisão no Artigo 84 da Constituição
O presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou nesta quinta-feira (21) um decreto que concede perdão ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 9 meses por ataques a ministros da Corte. A medida foi criticada por juristas de renome, como Miguel Reale Júnior e o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto.
Bolsonaro utilizou como base o inciso 12, do Artigo 84 da Constituição Federal, em que é determinado que o presidente da República pode “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”.
E também o artigo 734 do Decreto-Lei Nº 3.689 de 3 de outubro de 1941, em que está estabelecido como graças, indultos e anistias podem ser concedidas pelo chefe do Executivo.
“A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente”, diz o artigo 734.
Em sua fala, Bolsonaro justificou que “a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações”.
Entenda as penas de Daniel Silveira
Por tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes e por ser um crime continuado, de acordo com o artigo 71 do Código Penal, Silveira foi condenado a 5 anos e 3 meses de reclusão.
Pelo crime de coação, descrito no Artigo 344 do Código Penal como “usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade (…) em processo judicial”, cumprirá pena de 3 anos. Por também ser um crime continuado, a pena foi aumentada em 6 meses, ficando em 3 anos e 6 meses.
O deputado ainda foi multado em 35 dias-multa para cada um dos três crimes. Cada dia-multa corresponde a cinco salários mínimos da época do crime (2021), ficando em aproximadamente R$ 200 mil.
Perdão e afronta ao STF, diz Reale Júnior
Na avaliação do jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, em entrevista à CNN, a determinação do presidente da República é inconstitucional e uma afronta ao STF, uma vez que interfere no exercício do Poder Judiciário.
“O decreto se afronta à Constituição, porque afronta o livre exercício do Poder Judiciário. Ele não pode ser reconhecido como constitucional”, explicou.
Segundo o especialista, há ainda o fato de que o processo de graça só pode ser determinado após o trânsito em julgado –o que ainda não ocorreu no caso de Silveira. “É a véspera da ditadura”, criticou Reale.
Em relação a um possível recurso do Supremo contra a decisão do presidente da República, o jurista afirmou que pode ser determinada “a inconstitucionalidade desse decreto, porque é um decreto que afronta os Poderes”.
É sem dúvida nenhuma um confronto inimaginável entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário.
Miguel Reale Júnior
O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto declarou, em entrevista à CNN, que existe “evidente inconstitucionalidade” e “desvio de finalidade” na decisão de Bolsonaro.
“É preciso reconhecer: o presidente da República fundamentou o seu decreto. Para ele, o decreto é constitucional, ele declinou, revelou as razões de direito pelas quais editou, expediu o decreto de indulto. Indulto é clemência, indulto é perdão”, afirmou Ayres Britto.
“Agora, ao meu juízo, eu respeito os entendimentos divergentes, o meu entendimento é que ele incorreu em inconstitucionalidade. E inconstitucionalidade bem patente, eu diria até autoevidente, sem embargos”, continuou.
Ele afrontou a Constituição ao fazer uso desbordante, excessivo, mais do que isso, totalmente descabido de um decreto de indulto
Carlos Ayres Britto
Para o jurista, o indulto é privativo, mas não é discricionário, tem limites. Citando o Artigo 37 da Constituição, em seu inciso 4º, dizendo que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos”, Ayres Britto alega que há evidente desvio de finalidade.
“O presidente da República saiu em defesa de um correligionário, de um amigo pessoal. No âmbito da administração pública, esse desvio de finalidade se chama impessoalidade, quebra do principio de equidistância”.
Veja a fala completa de Bolsonaro:
“Tudo aqui está fundamentado, em decisões do próprio senhor Alexandre de Moraes, presidente do STF (sic). O presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, caput, inciso 12 da Constituição, tendo em vista o exposto do artigo 734, do decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, código de processo penal E, considerando que a prerrogativa presidencial para concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirada em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável. Considerando que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações.
Considerando que a concessão de indulto individual é medida constitucional, discricionária, excepcional, destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos, na tripartição dos poderes.
Considerando que a concessão de indulto individual decorre de juízo integro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis.
Considerando que ao presidente da República foi dada a missão de zelar pelo interesse público, e considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião, deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão, decreta o decreto que vai ser cumprido.
Artigo primeiro, fica concedida graça constitucional a Daniel Lúcio da Silveira, deputado federal condenado pelo STF em 20 de abril de 2022, no âmbito da ação penal 1044, à pena de 8 anos e 9 meses de reclusão em regime inicial fechado, pelas práticas dos crimes previstos.
Artigo 2º, a graça de que trata este decreto é incondicionada, e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Artigo 3º, a graça inclui as penas privativas de liberdade, de multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débito na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos.”
Douglas PortoRenata SouzaJorge Fernando Rodriguesda CNN em São Paulo