Mandetta diz que Ministério da Saúde passa por intervenção militar
Ex-ministro critica falta de experiência do comandante da Pasta e diz que eleições causaram aumento do contágio
Flávio Veras
Passados sete meses de sua exoneração do Ministério da Saúde, o ex-ministro, ex-deputado federal e médico campo-grandense Luiz Henrique Mandetta (DEM) é categórico ao afirmar que a Pasta que ocupou até abril está sob uma “intervenção militar”.
Ao comentar a segunda onda dos casos de Covid-19, o ex-ministro também não titubeia em afirmar que a falta de expertise em saúde pública está refletindo em aumento de contágios, o que, infelizmente, encaminha-se para uma nova onda de mortes pela doença.
Segundo Mandetta, os novos casos estão relacionados com as eleições municipais, diferentemente do que o atual ministro, general Eduardo Pazuello, afirmou na semana passada.
Além disso, Mandetta afirmou que as festas de fim de ano, as férias de Verão e os feriados de Carnaval poderão ser catastróficos para o Sistema Único de Saúde (SUS), provocando o colapso até agora evitado.
Sobre o que denominou de “intervenção militar no Ministério”, Mandetta explicou que em uma guerra não se coloca um médico para tomar decisões estratégicas, mas, sim, um general. Ou seja, a Saúde precisa ter pessoas que entendam da área.
“O governo não tem Ministério da Saúde, pois ele atravessa uma gestão intervencionista do Exército Brasileiro. Nessa guerra contra a pandemia, não podemos colocar no fronte gente que nunca comandou a coordenação de combate a epidemias ou pandemias. Dentro do órgão temos um corpo técnico qualificado, e foi isso que tentei fazer em minha gestão, utilizar essas pessoas capacitadas. Porém, esses profissionais gabaritados ou foram tirados da frente de batalha ou convidados a se retirar”, lamentou o ex-ministro.
Eleições
Para Mandetta, o atual aumento do número de contágios, principalmente em Campo Grande, deve-se às eleições municipais. Mesmo com a pandemia, os poderes constituídos preferiram realizar o pleito, e a consequência é esse aumento da curva de contágios.
“Para a democracia, principalmente na política local, os números foram maravilhosos, pois tivemos recorde do número de candidatos a vereador e a prefeito. No entanto, é mais gente fazendo reuniões e corpo a corpo. Mesmo respeitando o distanciamento, a infecção pode acontecer. Outro fator é que, em razão das eleições, os prefeitos se sentiram obrigados a liberar algumas medidas mais restritivas, pois tínhamos uma sensação de que a doença vinha estabilizando, e o eleitorado pressionou para isso. Ou seja, o que fizermos agora no início do mês será refletido daqui a 15 dias”, avaliou.
Alerta
Sobre a nova onda, o ex-ministro afirmou que ela pode ocorrer por causa das festas de fim de ano, das férias de Verão e dos feriados de Carnaval. Esse possível aumento nas aglomerações pode elevar o número de doentes e colapsar o sistema de saúde.
“Apesar da falta de uma coordenação nacional, os prefeitos e os governadores tentaram evitar ao máximo a falta de leitos. Em muitas cidades, foram abertos hospitais de campanha e contratados leitos particulares para atender os pacientes infectados ou suspeitos. No entanto, esse período [de festas], que historicamente é de aglomerações, poderá culminar em uma onda catastrófica, com a falta de leitos e, consequentemente, aumento do número de contágio e mortes. Portanto, o que está acontecendo na Europa poderemos ver em breve no Brasil, caso nada seja feito para conter a nova onda”, alertou.
Politização da pandemia
Sobre o negacionismo da ciência por parte do governo federal, Mandetta falou que lamenta o fato de o governo estar colocando em xeque não apenas os médicos, mas institutos brasileiros da área renomados no mundo todo.
Caso alguma vacina demonstre eficácia comprovada, hoje não existe um plano de imunização por parte do governo federal.
“Institutos como o Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz [Fiocruz] já elaboraram diversos Planos Nacionais de Imunização [PNI]. Eles têm essa experiência, que deveria ser aproveitada pelo governo federal. No entanto, desde o início da pandemia, ele [o governo brasileiro] prefere politizar o problema, desperdiçando o que nós temos de melhor, que é o combate a esses tipos de moléstias”, aconselhou.
Falta de coordenação
Para Mandetta, essa falta de coordenação nacional, enfatizada em diversas reportagens, pode ser confirmada no fato de o governo ter investido na fabricação de medicamentos sem comprovação de eficácia contra a doença, como a hidroxicloroquina, ou a não distribuição de testes da doença já adquiridos, que ainda estão estocados em armazéns.
“As notícias denunciam as diversas falhas cometidas pelo governo federal. Uma delas é o fato dessas mais de seis mil testagens que estavam paralisadas em São Paulo e corriam o risco de vencer, sem ao menos serem utilizadas. Caso o Ministério [da Saúde] fosse mais responsável com o enfrentamento da pandemia, essa denúncia nunca teria ocorrido. Existem entes federativos [estados e municípios] que não têm testes, portanto, não tem explicação para esse tipo de negligência. Sem essas análises, é impossível isolar o vírus e monitorar as áreas mais afetadas, culminando assim na disseminação da doença pelo País”, concluiu.
CORREIO DO ESTADO