LEI ANTICRIME: Magistrados temem atrasos e custo maior com o juiz de garantias

28/12/2019 10h38 - Atualizado há 4 anos

Lei deve entrar em vigor em 30 dias; CNJ abriu consulta pública para tribunais, juízes e associações

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Foto: Carlos Kuntzel / TJMS

As operações policiais que movimentam o sistema judiciário podem ganhar um novo personagem a partir do ano que vem: o juiz de garantias. Sua presença vai mudar as prisões, por exemplo, durante uma operação da Polícia Federal ou do Gaeco, ou determinar apreensões de bens de traficantes.

O ponto, que é motivo de discórdia entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, também traz discussão entre os principais juristas do Estado. O argumento principal diz respeito ao gasto que será necessário para ter dois juízes em uma investigação: um avalia as medidas cautelares (ordem de prisão ou apreensão de bens, por exemplo) e outro será responsável por julgar os envolvidos.

Exemplo mais prático ainda: se já existisse o juiz de instrução no início da Operação Lava Jato, não seria Sergio Moro a determinar as prisões de políticos ou diretores da Petrobras, ou, caso ele fosse o juiz de instrução, não seria ele quem julgaria estes e, então, não daria a sentença do ex-presidente Lula.

“Inviabiliza o sistema criminal brasileiro, gera atrasos intermináveis no julgamento de processos contra o crime organizado e de combate à corrupção. Em uma única palavra: retrocesso”, critica a senadora e presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB). Ela ainda pontuou estranhar a atitude de Bolsonaro, por conta de todo o staff presidencial concordar com o veto.

Na advocacia, o novo juiz é visto com bons olhos. “É um avanço civilizatório. As críticas que são feitas [por Moro] são equivocadas”, avalia Leonardo Duarte, advogado, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS), e ex-conselheiro federal da OAB. “Garante mais independência no processo”.

O deputado federal Fábio Trad, que também presidiu a OAB-MS, concorda com o juiz de garantias e ainda questiona: “A quem interessa uma investigação à margem de controle de legalidade? Enfim, todo avanço gera desconforto na vanguarda do atraso, que se utiliza de argumentos canhestros para impedir a constitucionalização do sistema penal”.

Excesso de trabalho?

Atualmente, a Justiça brasileira é composta por cerca de 18 mil juízes, desembargadores e ministros. Em MS, a Justiça Estadual, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem 210 juízes (176 em primeiro grau) e 90 vagas em aberto. Na Justiça Federal, são 28 juízes em todo o Estado. Segundo relatório do CNJ, a Justiça Estadual e a Federal em Mato Grosso do Sul aumentaram a produtividade de 2017 a 2018. Enquanto os magistrados estaduais deram 185.993 sentenças (quase 20 mil a mais que no ano anterior), os federais chegaram a 197.844 (mais de 25 mil que no ano anterior, porém, o número também contabiliza os juízes de primeiro grau que atuam em São Paulo, já que a Justiça Federal abrange os dois estados).

“A lei é um absurdo, como os tribunais vão suportar? Aumentam consideravelmente os gastos da Justiça. É fácil votar uma lei sem programação orçamentária”, pondera o presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), desembargador Paschoal Leandro.

“Vamos discutir isso com as entidades de magistrados de todo o Brasil”, explica. “É um momento de reflexão e calma a esse respeito, para que não haja prejuízo à prestação jurisdicional”.

O juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que julga diversos casos envolvendo interesse público e, também, crimes de colarinho-branco, não é favorável à medida. “Veja as comarcas pequenas, que são muitas em nosso estado, como que vai ser? É um ato totalmente desnecessário, que vai encarecer a Justiça e não vai melhorar a prestação jurisdicional. As liminares que terão de ser dadas pelo juízo continuarão a ser dadas, as que serão negadas continuarão a ser negadas. Não é o juiz A ou o juiz B que faz a diferença”, afirma.

Segundo o procurador-geral do Estado, Paulo Passos, que chefia o Ministério Público, lar do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), “o juiz de garantias traz impactos profundos, até na apuração dos crimes”. “Existe uma dificuldade com a celeridade na apuração de crimes, seja de organização criminosa, seja de colarinho-branco, o que torna ainda mais burocrático essa investigação”, avalia. “Somos um dos países que mais gastam com Justiça e isto não foi levado em consideração [ao ser sancionada a lei]”.

“Vai dificultar. É um juiz a mais. Muitas comarcas no Estado têm apenas um juiz. A questão é estrutural. Uma investigação tem de ser julgada por juiz de outra comarca? Os países desenvolvidos que se utilizam desse método têm investigação diferente do Brasil”, questiona o delegado da Polícia Federal Guilherme Guimarães Farias, que já foi analista judiciário do Supremo Tribunal Federal (STF), chefe da delegacia de Polícia Federal de Ponta Porã e atuou na corregedoria regional e no Núcleo de Inteligência Policial, atuando em operações de fraude financeira e golpes, como a Ouro de Ofir.

Responsável pela prisão de diversos traficantes e apreensão de vários milhões e bens do crime organizado, o juiz federal aposentado Odilon de Oliveira lamenta o que chama de retrocesso: “Dizer que o juiz de garantias significa modernização é desconhecer a realidade delinquencial e a da própria Justiça. Longe de representar aperfeiçoamento, a não ser para proteger a criminalidade organizada”. Mesmo com as sugestões de informatizar todas as comarcas, ele é realista: “Atualmente, existe, nos quadros da magistratura estadual, um deficit de aproximadamente 5 mil magistrados. Onde o Judiciário vai encontrar tanto dinheiro para o provimento dessas vagas? É necessário saber que o aumento de juízes implica a necessidade de aumentar também a quantidade de servidores. Este é o primeiro enrosco. Existirão outros. Mesmo com a informatização, haverá gastos com o pagamento de adicional de substituição”, explica o magistrado.

CONSULTA

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, criou grupo de trabalho com o objetivo de estudar impactos e efeitos da nova Lei Anticrime nos órgãos do Poder Judiciário. O grupo terá 20 dias para formular normas para aplicação da nova legislação. Até o dia 15 de janeiro de 2020, o grupo terá de apresentar uma proposta de ato normativo.

DENIS MATOS

CORREIO DO ESTADO