Governo diz ter interesse em programa climático da OCDE, mas oposição desconfia
Relatório recente da OCDE considerou políticas ambientais brasileiras insuficientes
Representantes dos ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente manifestaram, na Câmara dos Deputados, o interesse de o Brasil aderir futuramente ao Programa Internacional de Ação sobre o Clima, criado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O programa foi debatido nesta sexta-feira (9) em audiência virtual da Comissão de Relações Exteriores, que também contou com a presença da ONG Conectas, especializada em direitos humanos e socioambientais internacionais.
Os desafios para a entrada do Brasil na OCDE
O Ipac, sigla em inglês pela qual é conhecido o programa sobre o clima, é de adesão voluntária, mesmo para os países-membros da OCDE. O Brasil, que almeja ser admitido na organização, foi convidado a aderir, juntamente com Indonésia e outros integrantes do BRICS.
O secretário de comércio exterior e assuntos econômicos do Itamaraty, embaixador José Buainain Sarquis, garantiu o interesse do Brasil, mas explicou que vários pontos do Ipac ainda estão em análise. “Por ora, o Brasil não deve participar do programa e aguardará a evolução da sua própria execução, incluindo definições sobre sua própria governança”, disse.
O Ipac surgiu do projeto de resiliência climática e transição para uma economia de baixo carbono, incentivado por países europeus, sobretudo a França. É composto de indicadores de acompanhamento das ações de mitigação das mudanças climáticas e de redução dos gases do efeito estufa, previstas no Acordo de Paris. Também traz indicadores complementares para o monitoramento das políticas ambientais de cada país, notas de análise de desempenho desse controle climático e uma plataforma interativa para diálogo entre os países. A gerência do programa está a cargo do comitê de política ambiental da OCDE, ao qual o Brasil também já pediu adesão.
O gerente de projeto do departamento de relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente, Luiz Aguilar, argumenta que esse programa climático ainda está em formação, e tem controvérsias a serem superadas, sobretudo quanto aos indicadores. “Os instrumentos olham só o estado atual e não levam em consideração o histórico da formação dos gases do efeito estufa nem as contribuições de cada país que já ocorreram historicamente. Isso pode levar a indicadores que poderiam ser não tão favoráveis ou desfavoráveis para os países de industrialização mais recente ou em desenvolvimento, como o próprio Brasil”, ponderou.
Contramão
A ONG Conectas avalia que o Programa Internacional de Ação sobre o Clima é importante para o cumprimento de metas do Acordo de Paris, sobretudo às vésperas da COP-26, a próxima Conferência do Clima que a ONU vai promover na Escócia, em novembro. Porém, a coordenadora de direitos socioambientais da Conectas, Júlia Neiva, afirma que a atual gestão ambiental no Brasil está na contramão desses objetivos.
Ela citou o relatório que a OCDE publicou no início deste mês com a análise sobre o alinhamento das políticas ambientais do Brasil com os instrumentos da instituição. “O documento é bem crítico às políticas ambientais brasileiras, avaliando que o País retrocedeu no controle do desmatamento, mantém subsídios injustificados à indústria de fósseis e pesticidas, possui um processo de licenciamento ambiental ineficaz e não integra adequadamente as considerações socioambientais na produção dos planos de logística, energia e transporte", lamentou.
Pelo relatório da OCDE, a legislação e as políticas do Brasil foram consideradas como não ou insuficientemente alinhadas a 60% dos 48 requisitos exigidos pelos instrumentos legais analisados. Segundo Júlia, o Brasil terá de rever sua estratégia ambiental se quiser ser aceito na OCDE.
A Conectas fez um apelo à Câmara dos Deputados e ao Senado para que não aprovem os projetos de lei que tratam do novo licenciamento ambiental (PL 3729/04), da exploração econômica em terras indígenas (PL 490/07) e da regularização fundiária (PL 2633/20), que, segundo ela, estimulam a grilagem de terra e pioram a imagem do país no exterior.
Um dos organizadores do debate, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) também manifestou desconfiança quanto ao interesse do atual governo no programa climático da OCDE. “Sinceramente, espero que cumpramos com aquilo que são os objetivos maiores do clima no mundo inteiro, mas que não são necessariamente levados a sério pelo nosso governo, o que eu lamento. Espero que, com a mudança no ministério, o Brasil entre em uma sintonia superior na defesa do meio ambiente, respeitando, por exemplo, as terras indígenas”, defendeu.
Outro organizador do debate, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) disse estar claro o interesse do Brasil no IPAC, apesar das dúvidas quanto à efetividade do programa. Bueno foi o autor da proposta que deu origem à Lei sobre Pagamento por Serviços Ambientais (Lei 14.119/21) e cobrou medidas efetivas de transição para a chamada “economia verde”.
Durante a reunião, o Itamaraty reafirmou que a entrada do Brasil como membro efetivo da OCDE é uma das prioridades da política externa. O pedido formal foi apresentado há quatro anos e, enquanto aguarda a decisão, o país tem buscado participar dos comitês e grupos de trabalho da organização.
Reportagem - José Carlos Oliveira
Edição - Geórgia Moraes
Fonte: Agência Câmara de Notícias