Folha secreta leva TCE-MS a propor pente-fino na prefeitura da Capital
O conselheiro Marcio Monteiro colocou na pauta da sessão de hoje da Corte de Contas o pedido para ser apreciado
Em decorrência da publicação do Correio do Estado de que servidores do primeiro escalão do Poder Executivo de Campo Grande não estão encontrando dificuldades para receber altos salários por meio de uma folha secreta, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) deve aprovar, durante a sessão de hoje, um pedido de averiguação prévia das contas da prefeitura da Capital.
No pedido, ao qual a reportagem obteve acesso com exclusividade, o conselheiro Marcio Monteiro justifica que a solicitação decorre da ampla divulgação pela mídia local de que o “Município de Campo Grande tem enfrentado dificuldades na gestão fiscal, especialmente quanto ao cumprimento dos limites de despesas com pessoal estipulados na Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF]”.
Atualmente, prossegue o conselheiro, a cidade encontra-se em regime extraordinário de retorno à despesa com pessoal previsto no Artigo 15 da Lei Complementar Federal n° 178/2021.
“Segundo o relatório fiscal do 2° quadrimestre de 2023 apresentado pela municipalidade, há indicação de que a despesa com pessoal neste período está em 56,74% da Receita Corrente Líquida [RCL], acima do limite prudencial”, ressaltou no documento.
Para ele, o acompanhamento promovido pela Divisão de Fiscalização de Contas de Governo e de Gestão no âmbito dos processos e de outras fontes de informação sobre o montante de despesa com pessoal, segundo comunicação apresentada no dia 10 deste mês, indica que, mesmo em momento extraordinário de retorno à despesa de pessoal, a prefeitura da Capital “vem realizando ações que se revelam incompatíveis com este regime e com as vedações previstas no Artigo 22 da LRF, especialmente quanto ao limite prudencial, cuja regra não foi excepcionada”.
“Os indícios descritos pelos auditores deste Tribunal apontam para uma variação extrema e incomum de deduções e reduções de despesas relativas a exercícios anteriores, aliada a concessões de reajustes a servidores e a receitas de características temporárias, que culminam no risco de descumprimento das medidas de reforço à responsabilidade fiscal e evidenciam a necessidade de um exame acurado da questão pelo órgão de controle”, descreveu Marcio Monteiro.
O conselheiro ainda acrescentou que as causas que teriam levado o município a alcançar em curto espaço de tempo (1 ano e 10 meses) a redução de 4,02% no limite com gastos com pessoal carecem de elucidação, especialmente porque os processos de gestão fiscal examinados pelo TCE não exigem que esses fatos sejam trazidos aos autos.
“Dessa forma, vislumbro que a averiguação prévia é medida apropriada para o caso e o momento, uma vez que tem por objetivo coletar elementos de convicção por meio de instrumento apropriado de fiscalização, que no caso se revela por meio da realização de uma auditoria”, sugeriu.
Conforme Marcio Monteiro, “urge destacar que as questões aqui suscitadas não se confundem com objeto do processo TC/18257/2022, de relatoria do conselheiro Osmar Jeronymo, que visa à apuração da veracidade das folhas de pagamentos do exercício de 2022 enviadas eletronicamente ao Tribunal pelo município”.
“Assim, diante dos fatos narrados e com fundamento no inciso IV do Artigo 2º do Regimento desta Casa, submeto ao egrégio plenário a presente proposição prevista no Artigo 136, inciso II, também do Regimento Interno, necessária a propiciar o adequado exercício do controle externo pelo Tribunal para o aprofundamento da fiscalização quanto aos registros contábeis promovidos pelo Município de Campo Grande que influenciam na apuração do montante da despesa com seu pessoal e para o exame das reais ações e medidas tomadas pelo ente para o retorno ao limite da despesa total com pessoal aos parâmetros estabelecidos pela LRF. Após, caso admitido, seja o feito autuado e encaminhado à Divisão de Fiscalização de Contas de Governo e de Gestão para as devidas providências. É a proposição”, concluiu o conselheiro.
ENTENDA O CASO
O Correio do Estado teve acesso, nesta semana, ao contracheque oculto de uma servidora com as iniciais T.F.M.N.L., do alto escalão, que trabalha muito próximo da prefeita Adriane Lopes e que recebeu, em novembro do ano passado, nada menos que R$ 88.384,67 em apenas um mês.
Por se tratar de folha de pagamento secreta, que tenta burlar a maioria dos mecanismos de transparência, não há como comprovar se os pagamentos além do teto do serviço público municipal continuaram ao longo deste ano.
Contudo, essa não é a primeira vez que o Correio do Estado denuncia a existência de uma folha de pagamento secreta na prefeitura.
Também no ano passado, a reportagem mostrou que servidores do primeiro escalão tiveram rendimento líquido de R$ 51.749 em novembro e têm folha de pagamento oculta, documento que não é disponibilizado no Portal da Transparência do município.
Para inflar o supersalário pago a secretários, secretários-executivos e outros servidores escolhidos pela administração, a Prefeitura de Campo Grande atribui rubricas suspeitas e pouco transparentes para justificar o pagamento do salário extra para seus funcionários, como jetons e encargos especiais.
No ano passado, uma secretária, também integrante do primeiro escalão, teve o supersalário de R$ 51,7 mil (R$ 54,7 mil no valor bruto).
No primeiro contracheque em que o servidor ou a servidora faz jus à sua função de secretário (a) municipal, foram pagos R$ 17.285,85 líquidos, no mês de novembro.
A decomposição desse contracheque ocorre da seguinte forma: R$ 11.818,70 decorrem da função de secretário ocupada pelo gestor, outros R$ 4.647,00 entraram em uma rubrica chamada de “liquidação da Emha” e ainda há R$ 3.944,41 de indenização de transporte.
Depois, são aplicados os descontos de Imposto de Renda e Previdência Social. Esse primeiro contracheque é o que normalmente é lançado no Portal da Transparência. Ocorre que, em consulta feita ontem pelo Correio do Estado no Portal da Transparência, nem os valores nem o integrante do primeiro escalão foram encontrados.
JETONS E ENCARGOS
O problema mesmo é o segundo contracheque, que não aparece no Portal da Transparência e garante ao ocupante do cargo do primeiro escalão a renda bem superior ao teto do serviço público, que atualmente é de R$ 39 mil.
Somente nessas rubricas especiais, foram pagos R$ 34.454,00 ao ocupante do primeiro escalão da administração de Adriane Lopes.
Esse ganho a mais (oculto da maioria da população) supera o salário líquido declarado da prefeita, que em outubro foi de R$ 15.684,90.
Somente de jetons, que são as verbas que o poder público paga para pessoas que participam de conselhos deliberativos (normalmente elas participam de reuniões), foram R$ 9.740. De encargos especiais, o mesmo servidor de primeiro escalão ganhou mais R$ 24.713.
Os valores estão declarados nas seguintes rubricas: “Gapre C Social”, “Sefin Recupera Econon”, “Seges Controle e Conven”, “Segov Assessoria Técnica e Jurídica” e também de um encargo relativo a trabalhos prestados à Secretaria Municipal de Saúde (Sesau).
DANIEL PEDRA
CORREIO DO ESTADO