Entenda como funciona um acordo de delação premiada, como o fechado por Mauro Cid
Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro está preso desde maio; negociação ainda depende de aval do Supremo Tribunal Federal
O acordo de delação premiada, como o que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) Mauro Cid acordou com a Polícia Federal, pressupõe a colaboração entre investigado e autoridades, com informações relevantes sobre a natureza dos crimes em questão. A negociação precisa ser levada ao conhecimento do Ministério Público Federal (MPF) e aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O R7 conversou com advogados para entender como funciona o acordo e quais as principais consequências dele.
O advogado criminalista Rafael Paiva aponta que a delação premiada, também chamada de colaboração premiada, ocorre quando um dos acusados ou um dos investigados faz um acordo com o Ministério Público ou a polícia, aceito pela Justiça, para ajudar na investigação em troca de benefícios no processo.
Paiva explica que a delação premiada prevê, obrigatoriamente, que haja confissão por parte do suspeito — ele admite o crime e delata os cúmplices. "O delator pode ter alguns benefícios no cumprimento da pena, que pode ser diminuída e, em alguns casos, até não cumprir a pena — o que é mais difícil. O mais comum é que haja diminuição substancial", acrescenta.
No acordo, não basta que as informações sejam apresentadas. A delação tem de ser comprovada pela própria investigação. "Então, teoricamente, a delação só é eficaz se for homologada e validada, se as informações forem confirmadas por outro elemento de prova, para que não fique algo vazio, para que não seja uma mera indicação de alguém como autor de um crime", completa Paiva.
"Importante dizer que a delação tem de ser eficaz. Então, não pode delatar, por exemplo, quem cuidava ou lavava o carro para a organização criminosa. Tem que delatar o esquema criminoso, os líderes, como funcionava. Tem de ser efetivo para desbaratinar uma organização criminosa", ressalta o advogado RAFAEL PAIVA, ADVOGADO CRIMINALISTA.
Organização criminosa
O advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em direito eleitoral, do Estado, político e econômico, afirma que a delação premiada surge, especialmente, quando há suspeita sobre a existência de uma organização criminosa. "Um desses investigados acaba colaborando com a Justiça em troca de garantias em relação à eventual pena a ser aplicada. É uma forma de negociação mediante os órgãos de investigação", explica.
Determinado em lei
O doutor em direito penal Acacio Miranda da Silva Filho detalha que o método foi instituído pela lei 12.850/2013, que é a legislação das organizações criminosas. O pesquisador caracteriza a colaboração como "uma modalidade de barganha". "A delação premiada depende da autonomia de vontade de quem delata, e é necessário que haja uma pluralidade de agentes. Por isso que está prevista na lei das organizações criminosas. É impossível a delação premiada apenas como confissão. Para que seja efetiva, além da vontade, há necessidade que delate outros participantes do crime", explica.
Miranda destaca o papel do juiz no acordo, a quem cabe analisar os termos da delação e verificar se está em conformidade com os aspectos legais. O especialista alerta, ainda, para a necessidade de análise das provas de maneira conjunta. "A delação deve ser amparada por outras provas. É um primeiro passo para que sejam produzidas novas evidências. Se a delação é analisada individualmente com valor absoluto, obviamente que não deve ser admitida. Não existem provas absolutas nem hierarquia entre as provas no nosso ordenamento jurídico", completa.
Iniciativa do acordo de delação
O advogado e cientista político Nauê Bernardo Azevedo explica que a oferta de delação premiada pode surgir a partir da autoridade investigadora competente ou do próprio investigado. Como o inquérito de Mauro Cid tramita em sigilo, ainda não se sabe de quem foi a iniciativa.
"A partir daí, abre-se uma negociação para demonstração de provas que possam levar à condenação de pessoas apontadas como chefes do esquema criminoso. Esse acordo precisa ser levado ao conhecimento do juiz e só passa a ter efeitos se homologado. Por excelência, a delação não serve para quem é apontado como chefe principal do esquema criminoso", explica.
Papel da Polícia Federal
Em um inquérito federal, além do MPF, a Polícia Federal pode fazer o acordo de delação premiada, explica a advogada criminalista Kamilla Barcelos. Os procuradores da República devem ter ciência, e a Justiça precisa fazer a homologação. "A princípio, a palavra final seria do Ministério Público Federal (MPF), uma vez que ele é o titular da ação penal. Contudo, desde 2018, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento de que a Polícia Federal também pode propor acordo de delação premiada", afirma.
No entanto, há limitações caso a negociação não tenha o aval do MPF. "O acordo proposto pela Polícia Federal possui uma extensão bem menor do que o proposto pelo MPF, pois não pode, por exemplo, proibir o MPF de apresentar denúncia, tampouco fixar penas, podendo apenas sugeri-las", completa.
Papel do STF
O Supremo é quem dará a palavra final no acordo de Cid, explica a advogada criminalista Vanessa Vitória Oliveira. "Todo acordo de delação premiada, independentemente do órgão que tenha sido proposto, precisa passar pela homologação do Judiciário. Sendo assim, nos casos sob jurisdição do STF, caberá à Corte analisar se o acordo cumpre as exigências legais, podendo recusar ou devolver as partes para que reformulem os termos, quando não estiver de acordo com a lei", explica.
Ana Isabel Mansur e Emerson Fonseca Fraga, do R7, em Brasília