Capitão Contar presidiu, antes de ser político, entidade filantrópica que 'quebrou' financeiramente

28/10/2022 07h53 - Atualizado há 2 anos

Candidato do PRTB chefiou por 7 anos centro de ensino para carentes no bairro Nova Lima

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Foto: Gerson Oliveira

Candidato ao governo de Mato Grosso do Sul, capitão Contar, do PRTB, na reserva remunerada do Exército desde dezembro de 2017, mês que ele completara 34 anos de idade, tem um histórico frustrado como administrador de uma entidade filantrópica que cuidava de crianças carentes, até 2018, quatro anos atrás, quando assumiu mandato de deputado estadual.

Antes de parlamentar, ele chefiava o Cemeb (Centro de Ensino Maria Edwiges Borges), uma Organização Não-Governamental que atendia, em tempo integral, crianças e adolescentes com idades entre 6 e 15 anos, de famílias pobres, vítimas, principalmente, da violência.

Em nota encaminhada ao Correio do Estado, o candidato diz: “o fechamento não tem nenhuma relação com administração de Contar na instituição” (ver no final dessa reportagem).

Por regra das Forças Armadas, Contar, assim que elegeu-se deputado, de modo involuntário seguiu para a reserva. Por atuar por mais de 10 anos (ele já prestava serviço ao Exército), conquistou o direito à remuneração (recebe em torno de R$ 7 mil mensais).

Retomando à questão do Cemeb: “Durante o mês de agosto [2018] as principais dificuldades foram em relação ao financeiro, o que nos forçou a uma paralisação para organizarmos o ambiente com uma reforma e assim podermos em um curto período de tempo voltar com as atividades, visando uma maior qualidade e conforto a nossos usuários”, diz o último relatório acerca dos serviços da ong que funcionava no bairro Nova Lima. Trecho do comunicado não prosperou: desde ali, 31 de agosto de 2018, o Centro de Ensino não mais funcionou.

No mesmo relatório o qual o Correio do Estado teve acesso, naquele agosto, a entidade, embora com capacidade para cuidar de 200 internos, atendia, com frequência 82 crianças e adolescentes. Daí em diante, os usuários do local ficaram sem a assistência diária, como refeições, atividades escolares, esportivas e até médicas.

PROCESSO JUDICIAL

Renan, antes de a entidade entrar em colapso financeiro, em 2018, enfrentou até um processo judicial a pedido do Ministério Público Estadual, que enxergou irregularidade no prédio do Cemeb.

A casa funcionava, por exemplo, sem o alvará que, obrigatoriamente, deveria ser emitido pelo Corpo de Bombeiros.

Em maio de 2015, por exemplo, advogados que defendiam a Cemeb, entidade presidida por Contar, pediu à Justiça prazo para obter o alvará do Corpo de Bombeiros: Destarte, requer a suspensão deste processo pelo prazo de seis meses, com a finalidade de concluir o procedimento administrativo perante o Corpo de Bombeiros e apresentar a referida documentação exigida pelo Ministério Público Estadual, pondo fim ao levantamento apontado”.

O alvará foi solicitado em março de 2014, data que o MPE fiscalizou o prédio. Na investida, alimentos com data de validade vencida foram achados da fiscalização também.

À época, os defensores de Contar narraram na petição o motivo do atraso no alvará: “A expedição do alvará está gerando diversos gastos, sendo este o único motivo pelo qual ainda não regularizou a situação completamente”.

Os advogados acrescentaram ainda que: “é necessário reiterar que o Cemeb não possui fins lucrativos e desempenha seus serviços de forma gratuita à sociedade carente da região em que está localizada, e ainda, se mantém única e exclusivamente das doações de seus benfeitores e convênios”. Nessa apelação, Contar aparece como réu.

REPASSES

Em pesquisas do período, no Diário Oficial de Campo Grande, o jornal situou repasses conduzidos pela prefeitura ao Cemeb.

Em 2014, há registro de um repasse no valor de R$ 96 mil ao centro de ensino presidido por Contar, à época ainda no Exército. Em 2016, a transferência de recurso para a Cemeb somou R$ 79,2 mil.

Em 2020, há uma nova movimentação do MPE que questiona o fechamento da entidade. À época, a ex-mulher do capitão Contar, Leda Jorge de Souza, então vice-presidente do Cemeb, responde ao questionamento do MPE:

“Apesar dos esforços da Instituição em manter suas beneficências, a ausência de auxílio por parte do Poder Público resultou no encerramento abrupto de suas atividades”.

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Espaço está à venda / Gerson Oliveira - Correio do Estado

PERDA

A reportagem ouviu vizinhos do prédio onde funcionava a Cemeb, cujo prédio está à venda hoje. “Uma dona que morava ali na esquina tinha 9 filhos, seis deles iam todo o dia para o centro de ensino. Lá almoçavam, estudavam e até jogavam capoeira. Com o fim da escola, os filhos retornaram para as ruas”, disse uma moradora que não quis ver o nome publicado na reportagem.

A família em questão morava a uma quadra do Cemeb, que funcionava rua Ida Baís, no bairro Nova Lima. A reportagem tentou localizar a família, mas ela, segundo vizinhos, disseram que a mãe dos 9 filhos ganhou do município uma casa que ficaria perto do conjunto Moreninha, uma distância de 26 quilômetros do extinto Cemeb.

No último relatório sobre as atividades do centro de ensino, que fechou as portas no dia 6 de agosto de 2018, é citado o quanto às famílias imploraram pelo retorno da entidade.

“Devido a paralisação sentimos o quanto o projeto faz a diferença para a comunidade, pois a partir daí muitasd foram as famílias que nos procuraram para se oferecerem em ajuda ao que fosse possível a elas”, diz o documento assinado por uma coordenadora pedagógica.

OUTRO LADO

Veja a nota emitida pela assessoria de imprensa de Contar

Trata-se do processo n. 0813773-81.2014.8.12.0001 no qual o Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul, representou o Centro de Ensino Edwiges Borges - Cemeb, à época pelo seu presidente Renan Barbosa Contar.

Naquela época, o Ministério Público apresentou a representação com objetivo que fossem sanadas as irregularidades estruturais encontradas em procedimento interno.

A verdade dos fatos foi explicada na ação, demonstrando que a Entidade era sociedade de assistência social que oferecia convivência e educação a crianças e jovens de 06 a 15 anos, prestando a coletividade essencial serviço de interesse público, através do oferecimento de aulas de educação física e música, visando ao progresso social, cultural e moral dos seus atendidos.

Esclareceu-se que o Cemeb não possui fins lucrativos e desempenhou seus serviços de forma gratuita à sociedade carente da região em que está localizada, e ainda, se manteve única e exclusivamente de doações de seus benfeitores e convênios.

Contudo, as medidas necessárias e solicitadas pelo Ministério Público foram prontamente atendidas.

Evidencia-se que o Capitão Contar presidiu a entidade de 2010 até 02 janeiro de 2017.

No curso do processo, dentre as irregularidades apontadas pelo Ministério Público Estadual em sua representação, a única que restou pendente foi a obtenção do Alvará do Corpo de Bombeiros, pois foi demonstrado o cumprimento de todas as exigências.

O que pode ser comprovado pelo documento de fls. 273 dos autos do processo, mediante o auto de verificação.

A sentença proferida pelo Poder Judiciário do Estado do Mato Grosso do Sul, em 09/11/2017, quando o Capitão Contar não presidia mais a entidade, demonstrou que nenhuma irregularidade foi cometida pela entidade, nos quesitos salientados pela imprensa.

Anote-se que o Centro de Ensino Edwiges Borges - Cemeb, encerrou suas atividades em meados do ano de 2018, mais precisamente em 06 de agosto, pelo motivo de falta de parceria do poder público, acarretando sérias dificuldades financeiras. O fechamento não tem nenhuma relação com administração de Contar na instituição.

O projeto chegou a atender 220 crianças por mês.

CELSO BEJARANO

CORREIO DO ESTADO