Bolsonaro fez reunião com Forças Armadas para discutir minuta de golpe, diz Cid em delação
Ex-ajudante de ordens do então presidente da República disse à PF que comandante da Marinha apoiava intervenção militar no país
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se reuniu com a cúpula das Forças Armadas quando ainda estava no cargo para discutir os detalhes de uma minuta que "autorizaria" um golpe militar no país em 2022. A informação está na delação premiada feita à Polícia Federal pelo tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O comando da Marinha foi o único a aceitar a proposta, segundo Cid.
De acordo com a delação feita por Cid, os então comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea teriam se encontrado com Bolsonaro para discutir o assunto. O ex-ajudante de ordens disse que participou dessa reunião, em que a minuta foi discutida.
O tenente-coronel relatou à PF que o então chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria afirmado a Bolsonaro que a Força estaria pronta para uma intervenção militar. O ex-ajudante de ordens contou também que o comandante do Exército, à época, rechaçou a ideia golpista.
Diante das informações contidas na delação de Cid, a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), afirmou nesta quinta-feira (21) que o colegiado deve incluir na lista de pedidos a serem votados na próxima semana a convocação do almirante Almir Garnier Santos. A parlamentar quer também quebrar o sigilo de mensagens do militar — conhecido como sigilo telemático.
"Espero que na terça-feira (26) possamos de fato aprovar. O que temos é um acordo mantido e uma reunião preestabelecida", declarou a relatora. O compromisso anterior previa a votação de seis novos depoimentos, sendo quatro do governo e dois da oposição. No entanto, Eliziane ressaltou a necessidade de incluir Ganier "diante das informações que foram divulgadas pela imprensa".
Procurada, a defesa de Bolsonaro enviou a seguinte nota:
"1. Durante todo o seu governo jamais compactuou com qualquer movimento ou projeto que não tivesse respaldo em lei, ou seja, sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição Federal;
2. Jamais tomou qualquer atitude que afrontasse os limites e garantias estabelecidas pela Constituição e, via de efeito, o Estado Democrático de Direito;
3. Reitera que adotará as medidas judiciais cabíveis contra toda e qualquer manifestação caluniosa, que porventura extrapolem o conteúdo de uma colaboração que corre em segredo de Justiça, e que a defesa sequer ainda teve acesso."
A reportagem do R7 acionou a Marinha, o Exército e a Força Aérea. Até o momento, nenhuma das Forças Armadas respondeu.
Delação premiada
Cid fechou a delação premiada com a PF no início deste mês. O acordo foi homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O tenente-coronel do Exército, preso em 3 de maio e solto cerca de seis meses depois, é investigado por participação em esquema de fraude em cartões de vacinação e por tentativa de golpe de Estado. O ex-ajudante de ordens é investigado ainda no caso das joias estrangeiras dadas a Jair e Michelle Bolsonaro e pelos atos do 8 de Janeiro.
Como funciona a delação
O acordo de delação premiada, como o que Cid assinou com a PF, pressupõe a colaboração entre investigado e autoridades, com informações relevantes sobre a natureza dos crimes em questão. A negociação precisa ser levada ao conhecimento do Ministério Público Federal (MPF) e aceita pelo STF, como ocorreu.
O advogado criminalista Rafael Paiva explica que a delação premiada, também chamada de colaboração premiada, ocorre quando um dos acusados ou um dos investigados faz um acordo com o Ministério Público ou a polícia, aceito pela Justiça, para ajudar na investigação em troca de benefícios no processo.
Paiva acrescenta que a delação premiada prevê, obrigatoriamente, que haja confissão por parte do suspeito — ele admite o crime e delata os cúmplices. "O delator pode ter alguns benefícios no cumprimento da pena, que pode ser diminuída, e, em alguns casos, até não cumprir a pena — o que é mais difícil. O mais comum é que haja diminuição substancial", acrescenta.
No acordo, não basta que as informações sejam apresentadas. A delação tem de ser comprovada pela própria investigação. "Então, teoricamente, a delação só é eficaz se for homologada e validada, se as informações forem confirmadas por outro elemento de prova, para que não fique algo vazio, para que não seja uma mera indicação de alguém como autor de um crime", completa.
Clébio Cavagnolle, da Record TV, e Plínio Aguiar, do R7 em Brasília