Baixa cobertura vacinal preocupa senadores e especialistas

20/10/2021 07h37 - Atualizado há 3 anos

O senador Marcelo Castro (à esq.) e o médico Gonzalo Vecina Neto na sessão especial

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Leopoldo Silva/Agência Senado

Crucial no controle de doenças e epidemias, a vacinação — marco histórico da saúde humana e que tem sido essencial no controle da pandêmica covid-19 — tem sido alvo de desinformação e movimentos antivacina. Diante desse cenário e da consequente queda acentuada nos índices de cobertura vacinal no país, senadores e especialistas demonstraram preocupação em sessão especial pelo Dia Nacional da Vacinação, promovida nesta terça-feira (19).

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), primeiro signatário da sessão especial, disse que requereu o evento "dada a relevância do tema e sua pertinência neste momento dramático que vivemos".

— O Dia Nacional da Vacinação (17 de outubro) sempre foi essencial para conscientizar as pessoas sobre a importância da imunização e, também, para se fazer uma grande mobilização para promover a vacinação em massa — afirmou Castro, que é médico por formação e ex-ministro da Saúde.

Pessoas que questionam as vacinas colocam em risco a própria saúde e a das pessoas com quem convivem, ressaltou o senador, que lembrou ser a vacinação um ato coletivo.

— Vivemos no Brasil um fenômeno que se repete em várias partes do mundo, mesmo nos países desenvolvidos: a ascensão de uma noção distorcida de liberdade individual. O movimento antivacina talvez seja o melhor exemplo desse tipo de pensamento. Certamente, é um dos mais perigosos.

O senador Wellington Fagundes (PL-MT) lembrou que, “como homem que acredita na ciência”, direcionou esforços para o aumento da oferta de vacinas, como objetivado no projeto de lei de autoria dele que autoriza o uso, para produção de vacinas anticovid, de parque tecnológico e industrial de produção de vacinal animal.

— No dia 29 de outubro teremos a honra de ver a primeira vacina anticovid brasileira sendo aplicada no país, em Salvador (BA), em fase de teste. A vacina com RNA mensageiro de terceira geração tem grandes possibilidades de ser aplicada em dose única. (...) Que no ano que vem possamos nessa data comemorar a declaração de que o nosso país e região estarão livres da covid-19. Quero saudar com muita felicidade cada cientista que trabalhou e trabalha no desenvolvimento dos imunizantes — expôs Wellington.

Queda piorada pela pandemia

Diretora do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cássia de Fátima Rangel Fernandes advertiu que desde 2016 o país registra declínio da cobertura vacinal entre as crianças, e a pandemia piorou esse problema.

Em 1989, o Brasil erradicou a poliomielite, mas nos últimos anos a vacinação das crianças não tem atingido o percentual esperado: acima de 90%. Da mesma forma, o sarampo, eliminado em 2016, voltou a ter reincidência em 2018, coincidentemente com a queda das coberturas vacinais.

— Os desafios do Programa Nacional de Imunizações (PNI) são enfrentados no mundo todo. A OMS [Organização Mundial de Saúde] e o Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância] alertam para a queda na imunização de crianças por conta dos impactos da pandemia — expôs Cássia.

Essa situação levou o Ministério da Saúde a fazer um trabalho de identificação de quais pontos precisam alterados para melhorar a cobertura, segundo a diretora.

Ofertada anualmente, a vacina para influenza ainda não atingiu a cobertura de 90% programada para 2021, principalmente nos grupos prioritários, relatou a diretora. Ao todo, foram aplicadas 120 milhões de doses.

Na data de hoje, o Ministério da Saúde divulga que foram distribuídas 310,4 milhões de doses de vacinas anticovid em todo o país, sendo que 251,6 milhões foram aplicados até o dia 15 de outubro, dos quais 150,3 milhões em primeira dose e 101,3 milhões em segunda ou dose única.

Secretário da Saúde do estado de Goiás e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde da Região Centro-Oeste, Ismael Alexandrino Júnior também lamentou a queda da cobertura vacinal.

— Existe há muitos anos no Brasil um determinado segmento avesso às vacinas. A compreensão de que vacinação é promover saúde, e não simplesmente tratar doença, demonstra o grau civilizatório de uma população.

Segundo Alexandrino Júnior, a covid-19 veio mostrar que “não estamos preparados do ponto de vista global para patologias que desconhecemos”.

— Estamos sujeitos, nos próximos cinco a dez anos, a novas modalidades de vírus. A questão da vacinação precisa ser massificada na nossa população.

No estado de Goiás, segundo o secretário, mais de 300 mil pessoas não tomaram a primeira dose da vacina anticovid e 600 mil não completaram o calendário, o “que preocupa sobremaneira”.

Ausência de campanhas

Os médicos sanitaristas Gonzalo Vecina Neto e Cláudio Maierovitch apontam a falta de intensivas campanhas pró-vacinação como um dos principais entraves para a alta adesão às imunizações.

Professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Vecina Neto afirmou que a vacinação anticovid foi um dos instrumentos que fez a população entender a importância do SUS.

 — As pessoas não foram se vacinar porque não tem campanha. Tem que chamar o povo para se vacinar, para tomar a segunda dose. Faltou se comunicar com a sociedade.

Ele salientou a não aprovação pelos parlamentares de projeto de lei que possibilitaria que “ricos fossem vacinados antes dos pobres”, com a oferta pela rede particular.

O médico destacou ainda a importância do Senado com a CPI da Pandemia e o trabalho realizado pelo Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz, pioneiros na oferta de vacinas anticovid no país.

Para o médico Maierovitch, ex-presidente da Anvisa, é preciso que haja o resgate da capacidade de coordenação do Ministério da Saúde em relação ao quadro epidemiológico brasileiro.

— Nunca tivemos uma campanha de vacinação que não fosse acompanhada de uma campanha de comunicação de grande intensidade — afirmou Maierovitch.

Fortalecimento da rede do SUS, em particular da atenção básica; retomada da capacidade produtiva estratégica, com investimento em inovação, ciência e tecnologia; e necessidade de que o aparato regulatório receba mais atenção foram sugestões apresentadas pelo convidado.

Anvisa

Quatro diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) participaram da sessão especial. A diretora Meiruze Sousa Freitas disse que 89 vacinas já foram autorizadas e registradas no Brasil pelo órgão.

— Todas as vacinas aprovadas pela Anvisa são eficazes e seguras e seu uso demonstra resultados aqui e no mundo — afirmou Meiruze. Ela conclamou colaboração vacinal também com os países mais carentes para que a doença seja realmente erradicada.

Ao autorizar as vacinas anticovid CoronaVac e AstraZeneca em 17 de janeiro de 2021, a Anvisa aliou-se com a ciência, com a pesquisa clínica, com as universidades, segundo o diretor da agência, Alex Machado Campos.

— A Anvisa não saiu do estado de alerta e é preciso manter os cuidados. Ainda temos discussões amplas, como preocupação com as fronteiras — disse Campos.

O diretor também condenou a negação e desinformação deliberada pela desconstrução da vacina.

PNI

Presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e secretário de Saúde de Pacatuba (CE), Wilames Freire Bezerra salientou os 48 anos do PNI, com a oferta atual de mais de 25 vacinas diferentes.

— A importância do PNI é imensurável. Precisamos mostrar o quanto é importante o processo de vacinação, só assim poderemos combater os pessimistas que questionam as vacinas — expôs.

Diretor do Centro de Segurança Clínica e Gestão de Risco do Instituto Butantan, Alexander Roberto Precioso destacou o compromisso do centro de pesquisa com a saúde pública brasileira e mundial e a colaboração regular com a entrega de diferentes vacinas ao PNI.

Influenza sazonal, HPV, hepatite A e vacina anticovid (CoronaVac) são alguns dos imunizantes produzidos pelo instituto e que são destinados à população brasileira.

— O compromisso do Butantan não é de apenas entregar vacinas, mas temos um plano para o desenvolvimento de novas vacinas, como a da dengue e chikungunha, que estão em fase de estudos clínicos.

Vice-diretora de Qualidade de BioManguinhos/Fundação Oswaldo Cruz, Rosane Cuber Guimarães explicou que já está nacionalizada a produção nacional do IFA (ingrediente farmacêutico ativo) da vacina anticovid pelo instituto, que assumiu o compromisso de entregar 180 milhões de doses em 2022.

A BioManguinhos já entregou 111 milhões de doses de vacinas para o PNI, segundo Rosane. Ela adverte que, para além da celebração, é importante preocupar-se o atual cenário de imunização e pensar por que ocorre a baixa cobertura vacinal.

— A nossa meta de cobertura vacinal para a poliomielite, por exemplo, é de mais de 95% para crianças e no ano passado ficou em 75,8%. Este ano está em 63% a primeira dose. Há uma preocupação com o futuro. Precisamos pensar quais são as soluções integradas para retornarmos ao que éramos no início dos anos 2000.

Fonte: Agência Senado