Aulas presenciais: projeto que torna educação essencial segue sem consenso

03/07/2021 07h41 - Atualizado há 3 anos

O senador Marcelo Castro (à esquerda) conduziu o debate, que foi solicitado por Flávio Arns (na tela)

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Jefferson Rudy/Agência Senado

A segunda sessão de debate temático sobre o PL 5.595/2020, projeto de lei que torna a educação um serviço essencial e proíbe a paralisação do ensino durante pandemias, mostrou que o assunto segue longe do consenso. Senadores, representantes de trabalhadores do setor, estudantes e médicos apresentaram nesta sexta-feira (2) visões divergentes sobre o momento mais adequado para a volta às aulas. O debate, que foi realizado de forma remota, foi solicitado pelo senador Flávio Arns (Podemos-PR).

Parte dos debatedores considera que o projeto garante que estudantes tenham acesso à educação, direito que estaria sendo violado durante a pandemia. Outros consideram que projeto desconsidera a autonomia de estados e municípios, e impõe que crianças, adolescentes e jovens adultos voltem a circular em um momento em que o país segue com média de cerca de duas mil mortes por covid-19 por dia. Durante a reunião, foram constantes as queixas em relação à falta de uma coordenação nacional pelo Ministério da Educação e também em relação aos cortes sucessivos no orçamento do setor. 

Para tentar contornar o impasse, o senador Flávio Arns propôs a criação de um grupo de trabalho para coordenar e pensar os protocolos para retorno às aulas. A ideia é que o grupo conte com membros do Congresso, do Ministério da Educação, de estados e municípios, além da participação de professores, estudantes e trabalhadores da educação para estudar um conjunto soluções para a educação durante a pandemia — e também no pós-pandemia.

— A gente observa, e foi apontado, uma ausência de articulação, coordenação, orientação de como as coisas devem acontecer; não só como abrir as escolas, mas o que fazer dentro das escolas no período pós-pandemia, qual é a estrutura, qual é o plano, como é que está a conectividade, que orientação que vamos dar, como é que a gente pode, na verdade, recuperar esse tempo. Então a gente [pode] ter, coordenado pelo Senado Federal, por essa comissão, um grupo realmente que pudesse orientar — disse Flávio Arns.

Já o senador Esperidião Amin (PP-SC) considera que a abertura das escolas e universidades públicas é urgente. A questão, para ele, é “como abrir”. 

— O meu manual é: como abrir a escola, não como manter fechada. E eu lamento que esta reunião tenha sido uma reunião presidida pelo princípio de justificar, pelo princípio da cautela, como manter a escola fechada.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, apontou que todos concordam que a educação é um direito fundamental, mas ela enfatizou que é contra a imposição da volta presencial. Para a senadora, o projeto de lei (PL 5.595/2020) é desnecessário.

— Educação é um direito social. Não precisa desse projeto de lei. O Senado Federal está preocupado, sim, com as aulas presenciais, para diminuir esse distanciamento entre as escolas públicas e privadas em termos de acessibilidade aos meios tecnológicos pelos alunos. Mas queremos fazer isso sem botar em risco os professores, os trabalhadores e os próprios alunos, principalmente em um país que tem mais de 520 mil óbitos — alertou ela. 

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) avalia que é problemático incluir a educação entre as atividades consideradas essenciais, como é o caso de saúde e segurança. Ele defendeu a substituição do termo "essencial" por “fundamental”, ideia proposta pelo senador Jean Paul Prates (PT-RS).

— Esse termo, "atividade essencial", é um termo comprometido na legislação. Há atividades que não podem ser interrompidas sob pena de levar pessoas ao risco de morte, de perda da saúde ou da sua segurança. Educação é uma atividade essencial? É. Mas, se ela não for praticada, as pessoas morrem? Não. Adoecem? Não. Perdem a segurança? Também não — disse.

No entanto, a professora Carolina Capuruço, da Universidade de Minas Gerais (UFMG), alega que, além da questão educacional, a escola oferece proteção social e alimentar.

— Quanto mais tempo as escolas ficam fechadas, sobretudo nas baixas faixas etárias, mais desnutrição, mais pobreza, menos acesso à saúde, menos acesso à escola, que, todos aqui sabemos, é o primeiro local de detecção de abuso físico, social e mental — argumentou. 

Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirmou que parte da comunidade escolar está com medo da volta presencial e questionou: 

— Que educação se faz com o medo? Que educação se faz sem condições? Então, do ponto de vista pedagógico também, não é o caso de voltar sem condições sanitárias.

Representante da Federação do Sindicato dos Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes), Oswaldo Negrão lembrou que o direito à vida é o principal dentre aqueles garantidos na Constituição. 

— Acima de tudo, de todos os direitos constitucionais, nós precisamos remeter ao artigo 5º da Constituição, que é o direito à vida. Nós não ministramos aulas para cadáveres. É um fato primordial a garantia fundamental, o direito à vida — assinalou. 

Autonomia

Para Nina Beatriz Ranieri, professora de direito da Universidade de São Paulo (USP), o projeto de lei discutido não desconsidera a autonomia de estados e municípios nem as regras sanitárias.

— Uma lei federal que qualifique a educação presencial como atividade essencial não significa autoritarismo, não significa uma imposição para esses entes federados porque seria inconstitucional. As redes decidirão como e quando voltar, de acordo com as suas possibilidades.

A visão de Nina Ranieri contrasta com a de Lucas Fernandes, líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação. Ele afirmou que a norma não considera as especificidades das regiões e a situação da pandemia em cada município.

— Apesar da intenção dos legisladores parecer positiva, de colocar a educação em primeiro lugar, colocar a educação como essencial, ela erra no momento em que não dialoga com a heterogeneidade brasileira, não dialoga com a autonomia federativa de entender que os estados e municípios estão em lugares muito diferentes desse processo, e que eles não precisam de uma lei dizendo: "Faça" — argumentou Lucas Fernandes. 

Durante a reunião, alguns dos participantes defenderam que, antes de impor a volta às aulas, o Brasil precisa avançar no controle da transmissão do coronavírus, aumentar a testagem e a vacinação.

O relator do PL 5.595/2020 é o senador Marcos do Val (Podemos-ES).

Fonte: Agência Senado