Liberação de festas pode ser porta aberta para terceira onda da Covid-19

13/02/2021 14h08 - Atualizado há 3 anos

Prefeitura liberou eventos com até 120 pessoas e especialistas veem estratégia como perigosa

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AGLOMERAÇÃO. Pessoas sem máscara e próximas umas das outras são vistas frequentemente - Álvaro Rezende/Correio do Estado

Daiany Albuquerque, Rafaela Moreira

A Prefeitura de Campo Grande flexibilizou o decreto que permitia a realização de eventos e festas, e agora eles podem ocorrer com a capacidade máxima de 120 pessoas.

Para especialistas, essa liberação pode contribuir para que casos e mortes por causa da Covid-19 voltem a crescer na cidade, que enfrenta números menores que os do início do ano, e esse aumento pode até refletir em uma possível terceira onda.

Segundo publicação da prefeitura no Diário Oficial de Campo Grande (Diogrande), esses eventos devem funcionar “mediante o cumprimento das regras de biossegurança”. De acordo com o Diogrande, todos os estabelecimentos e atividades com atendimento ao público devem funcionar com lotação máxima de 40%, incluindo templos e igrejas.

Já as festas, eventos esportivos e campeonatos de qualquer natureza devem funcionar com 40% da sua capacidade e ainda limitados ao máximo de 120 pessoas. A medida tem validade até o dia 26 de fevereiro.

Para a médica infectologista Mariana Croda, essa flexibilização é perigosa e pode trazer como consequência o aumento de casos e de ocupação de leitos na Capital.

“Agora que estamos em um momento de estabilização, com queda de casos e de óbitos, não tem lógica relaxar nos feriados, ainda mais sabendo que eles estão relacionados com a segunda onda. Foram os feriados de setembro e novembro que contribuíram para as aglomerações e o crescimento no número de casos. Nós continuamos com níveis altos no Brasil, então não há lógica em uma decisão como essa”, declarou a médica.

O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda ressalta que não existe nenhum dado científico que indique que não há problema em aglomerações desse tipo.

“Não tem lógica nenhuma autorizar reuniões com 70 e muito menos 120 pessoas, estamos em meio a uma pandemia. Tivemos uma queda em relação ao número de casos confirmados e à média móvel de óbitos, mas a situação ainda não é tranquila. Enquanto os grupos prioritários e a população não forem imunizados, todo cuidado é necessário”.

AULAS

Mariana Croda lembrou do fato de, na semana passada, a prefeitura ter publicado decreto que estabelece aulas remotas na Rede Municipal de Ensino (Reme) até o dia 1º de julho, ou seja, os alunos da rede pública da Capital devem ficar o semestre inteiro sem voltar para a escola, o que também havia ocorrido em 2020, quando as instituições de ensino do município ficaram fechadas quase o ano inteiro.

“Quando se tem a suspensão das aulas nas escolas públicas e a manutenção dos eventos sociais, essa é a maior controvérsia. Não há lógica nas decisões que Campo Grande vem tomando”, enfatizou.

O mesmo foi dito pelo pesquisador. “Eu acho muito contraditório não autorizar o retorno presencial para os mais pobres, mas reuniões de até 120 pessoas serem permitidas, isso porque escolas particulares já estão abertas com 30% da sua capacidade. Isso me parece um movimento político”, criticou.

De acordo com a infectologista, eventos como festas, com um grande número de pessoas reunidas, geram um fenômeno chamado pelos pesquisadores de “superespalhamento”.

“Há estudos que indicam que em aglomerações há o fenômeno do superespalhamento, e isso ocorre em festas. Então a primeira medida é evitar aglomerações. Mas quando a prefeitura cancela o Carnaval e permite festas, a gente vê uma certa desorganização em relação a isso”.

TERCEIRA ONDA

Mariana lembra que no Brasil está em circulação uma nova variante, a P.1, que foi descoberta em Manaus (AM) e já foi detectada em outros estados do País. A médica acredita que essa nova cepa, mais contagiosa que as demais, já possa estar em Mato Grosso do Sul.

“A gente tem um evento como medida de prevenção, que é a vacinação, mas ainda não sabemos como essa vacinação vai segurar o número de casos, porque são poucas as doses. É muito provável que essa nova cepa já esteja no Estado, então esse é um momento de alta vigilância, não é momento de fazer nenhum retrocesso. Não se brinca com o coronavírus”, enfatizou.

Mato Grosso do Sul investiga o caso de uma pessoa que estava no Amazonas e testou positivo para a Covid-19 em Corumbá. Amostras foram encaminhadas para o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, mas o resultado ainda não foi divulgado.

Além dessa amostra, outras são analisadas constantemente para tentar verificar se a cepa P.1 está em circulação no Estado. Além do Amazonas, outras unidades da Federação já identificaram moradores que se contaminaram com a nova variante.

Segundo nota divulgada pela Fiocruz na sexta-feira, pesquisadores encontraram a variante do novo coronavírus em mais cinco estados: Pará, Paraíba, Roraima, Santa Catarina e São Paulo. Casos provocados pela P.1 também já foram confirmados pelas secretarias estaduais de Saúde da Bahia, do Ceará e de Pernambuco.

Essa variante foi responsável pelo colapso no sistema de saúde de Manaus, onde sequer houve oxigênio suficiente para atender a todos os pacientes, e muitos morreram asfixiados.

“Em Mato Grosso do Sul nós fomos beneficiados, porque fomos um dos últimos estados que viveram a pandemia. O próprio Brasil também foi um dos últimos países: viu o que aconteceu na Europa e poderia ter se prevenido".

"Não dá para inventar medidas de segurança, temos que nos prender no que tem resultados. Agora a Fiocruz informou que não vai ter capacidade de fornecer todas as doses combinadas neste semestre, então temos que segurar ao máximo por alguns meses”, acrescentou Mariana.

CORREIO DO ESTADO