Lei que autorizou saque de R$ 1,4 bilhão é inconstitucional

09/05/2020 13h00 - Atualizado há 3 anos

Por 8 a 1, Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionalidade de lei de Mato Grosso do Sul que autorizou o Poder Executivo a sacar mais de 80% da conta única do Tribunal de Justiça desde 2015

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Foto: Divulgação / STF

Eduardo Miranda, Yarima Mecchi

O conjunto de leis complementares estaduais que tem autorizado o saque de mais de R$ 1,4 bilhão da conta única do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul pelo Poder Executivo, desde 2015, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (8), por 8 votos a 1.

Em setembro de 2015, a Lei Complementar 201 autorizou o Poder Executivo a sacar 70% do total de recursos que havia na conta única do Tribunal de Justiça. Na época, havia um saldo de R$ 2,02 bilhões na conta, e foram retirados R$ 1,419 bilhões.

A lei condicionava que os recursos sacados da conta - que reúne todos os depósitos feitos para garantir os valores demandados no litígios que tramitam no tribunal - fossem utilizados exclusivamente para recompor o regime próprio de previdência dos servidores públicos, pagar a dívida pública ou pagar os precatórios. Não há um balanço sobre a destinação destes recursos.

Tal lei levou na época, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ingressar com ação direta de inconstitucionalidade contra a lei complementar. Na ocasião, ele alegou competência privativa da União para legislar sobre o assunto (disciplinar o funcionamento do sistema financeiro nacional) , e ainda classificou a iniciativa como uma tentativa de realizar um “empréstimo compulsório” em detrimento das partes judiciais, com direito a levantamento imediato dos valores judiciais.

Em 2018, uma outra lei complementar, a 247, ampliou o limite de saque na conta única do Tribunal de Justiça, que passou a ser de 80%. Na época, havia aproximadamente R$ 800 milhões na conta única, e a lei complementar permitiu a liberação de R$ 583 milhões que a Companhia Energética do Estado de São Paulo (Cesp) havia depositado em juízo, em processos ambientais. Na ocasião, aproximadamente metade dos recursos foram para o caixa do governo, e o restante, para os municípios que sofreram danos ambientais na construção da usina de Porto Primavera.

Em 2019, uma nova flexibilização no uso dos depósitos, levou o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a ingressar com uma nova ação direta de inconstitucionalidade no STF. Na ocasiao, os limites do saque foram novamente expandidos, e a obrigação do Tribunal de Justiça foi a de manter 20% do saldo devedor do governo do estado na conta única. O saldo da conta única, sempre que solicitado depois do primeiro saque, nunca foi informado oficialmente.

Votaram com o ministro relator do julgamento das duas ações diretas de inconstitucionalidade, Alexandre de Moraes, os ministros Ricardo Lewandowski, Carmem Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Celso de Mello. O único voto divergente foi o do ministro Marco Aurélio.

CRISE

O julgamento ocorre em um momento difícil para os cofres de Mato Grosso do Sul. Neste mês, a expectativa é que a arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) seja R$ 250 milhões menor por causa da crise causada pela desaceleração da economia, por causa da pandemia do coronavírus. O governo do Estado espera receber, ainda neste mês, ajuda federal de aproximadamente R$ 700 milhões. Para que ela chegue, porém, ainda é necessário que o presidente Jair Bolsonaro sancione projeto de lei aprovado nesta semana pelo Congresso Nacional.

Em setembro de 2015, o uso de parte dos depósitos judiciais também foi liberado para ajudar estados e municípios. A lei federal da época, porém, liberava que os saques de até 70% do valor depositado, ocorresse nas ações em que o poder público (estado ou prefeituras) eram partes dos processos. Até ontem à noite, ainda não havia posição oficial do governo sobre o julgamento.

COMEMORAÇÃO

As entidades representativas dos advogados, no Estado, comemoraram a decisão. “Garante ao jurisdicionado a certeza de que eventuais discussões feitas no judiciário terão garantidos os recursos ali depositados. Não haverá risco algum, daqui para frente, da utilização desses valores a quem quer que seja, ficando reservados somente a uma das partes vencedoras do feito”, afirmou Mansour Karmouche, presidente da OAB-MS.

“A decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei que permitia a transferência de depósitos judiciais para o Estado foi uma grande vitória não só da democracia, mas da sociedade como um todo. Isso porque não cabe ao Estado utilizar dos depósitos judiciais como se fossem receitas públicas”, disse José Antônio Argirin, presidente Associação dos Novos Advogados de Mato Grosso do Sul.

CORREIO DO ESTADO