ENTREVISTA: “Houve 11 mil recebimentos ilegais”, diz controlador sobre auxílio
Controlador-Geral do Estado falou sobre a fiscalização de contratos, demissão de servidores e compras sem licitação
Comandante do órgão criado para fiscalizar as ações do Poder Público, o Controlador-Geral de Mato Grosso do Sul, Carlos Eduardo Girão de Arruda, falou ao Correio do Estado sobre as ações realizadas pela CGE. Entre as mais recentes está a atuação para denunciar e punir servidores públicos estaduais que receberam o auxílio emergencial de R$ 600, destinado a trabalhadores informais e desempregados.
Girão aponta que,“é seguro dizer que houve algo próximo a 11 mil recebimentos ilegais”. A CGE atua diretamente na cobrança de esclarecimentos dos 1.126 servidores do Estado que receberam indevidamente os recursos do Governo Federal.
O representante da entidade ainda falou sobre a revisão de contratos, a demissão direta de funcionários públicos,missão delegada ao controlador desde o ano passado e ainda sobre as compras sem licitação no período da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Para o Controlador, o ideal seria uma ação preventiva, antes que essas compras fossem efetivamente realizadas. Em Mato Grosso do Sul, por serem documentos impressos, a CGE não tem revisado antes os contratos, atuando na fiscalização dos contratos depois de firmados.
Confira na íntegra a entrevista com o Controlador-Geral de Mato Grosso do Sul:
-O levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que ao menos 6,5 mil pedidos do auxílio emergencial, em Mato Grosso do Sul, possuem alguma irregularidade. Somados aos servidores estaduais e municipais de quanto seria este número?
São dois trabalhos complementares. O primeiro citado, do TCU, teve seu foco nos servidores federais e trabalhadores da iniciativa privada. O da Controladoria Geral da União (CGU) teve como foco os servidores públicos estaduais e municipais aqui do Estado. Então, é seguro dizer que houve algo próximo a 11 mil recebimentos ilegais. O que não significa dizer que todos esses recebimentos tiveram origem em pedidos específicos para o auxílio emergencial. Posso dizer que, pelo menos no caso dos servidores públicos estaduais, a maioria recebeu em função de um cadastro federal pré-existente.
-Como atuaram junto a CGU para a identificação desses recebimentos irregulares?
A atuação da Controladoria-Geral do Estado (CGE) foi com a CGU, com foco nos servidores públicos ativos e inativos do Executivo Estadual. Basicamente foi o cruzamento entre essa base de dados e a dos beneficiários do auxílio emergencial. Da mesma forma a CGU, em cooperação com o TCE/MS fez essa triagem no âmbito dos servidores públicos municipais. Já o trabalho do TCU foi com base em cruzamento de dados dos cadastros de beneficiários do INSS, servidores e pensionistas federais aqui residentes, de cartórios, do seguro desemprego e o CNIS – todos esses cadastros federais, não necessitando de cooperação de Órgãos de outras esferas.
-Qual a próxima ação a partir da identificação destes números? Servidores públicos, por exemplo, já foram questionados?
Todos os servidores públicos estaduais serão instados a devolver os recursos. Alguns já até devolveram. O grande problema que enfrentamos é a notificação dos inativos. Estes por estarem aposentados ou serem pensionistas, têm que ser notificados por carta registrada, o que é bem mais demorado do que as providências junto aos servidores ativos. Como são 931 nesta situação, levará um tempo para que todos possam devolver. Ainda, aqueles que notificados, não devolverem, terão seus nomes encaminhados ao Ministério Público Federal para providências judiciais cabíveis. Por fim, aqueles que se cadastraram especificamente para tal benefício sem preencherem as condições legais exigidas, estão tendo procedimentos administrativos abertos em seus órgãos (quando ativos) e tiveram seus nomes encaminhados ao Ministério Público Estadual (MPE), tanto os ativos quanto os inativos, para providências que o MPE entender cabíveis.
-Como tem sido a atuação a respeito da Lei que autoriza que o controlador-geral do Estado realize demissões de servidores, depois de passarem por processos administrativos disciplinares e que permite a cassação de aposentadorias?
Foi sancionada e está em vigor desde 16 de dezembro de 2019. Importante frisar que se tratava de uma faculdade de delegação do Governador ao Controlador-Geral do Estado. Com o Decreto 15.392, de 17 de março deste ano, foi formalmente delegada ao Controlador-Geral tal competência pelo Governador. Desde a publicação deste decreto, creio que já tenhamos demitido algo próximo a 30 servidores estaduais, dentre esses, dois envolvidos na Operação Lama Asfáltica.
-Com as contratações emergenciais da Covid-19, sem licitação, como a controladoria monitora a aplicação de recursos? Vocês tem fiscalizado estas atas e contratos? Foram encontradas irregularidades? Existe um cuidado especial de fiscalização nesse período?
Realmente essas contratações são preocupantes no aspecto de preços, qualidade e entrega. No que se refere a preços, é preciso entender que os preços pagos de 3 meses para cá não são os mesmos de 6 meses atrás. Com isso, ocorre uma perda de paradigma que pode afetar a capacidade decisória do gestor ou facilitar o sobrepreço sem justificativa para determinadas compras. Por essa razão foi necessário um grande esforço para trazer um parâmetro razoável para as compras públicas de materiais e serviços de saúde. Nesse sentido a Controladoria-Geral da União desenvolveu um painel e, com a contribuição da CGE/MS e a CGE/PR na validação de dados das compras, disponibilizou o mesmo mostrando todas as compras nos estados, capitais e União, inclusive com preços num gráfico de dispersão. Pode-se acessar o painel pelo site.
Quanto ao acompanhamento das compras, entendemos que o ideal é o que vem sendo realizado pela CGU com o Ministério da Saúde. Uma avaliação preventiva simplificada, baseada em riscos, realizada em 24 horas por um auditor, antes da contratação, onde se avalia as condições da contratação e, caso haja, explicita-se o risco para o Gestor quando da realização da contratação. Aqui no Estado, infelizmente não foi possível implantar essa metodologia, vez que nossos processos são físicos e não eletrônicos como os do Governo Federal e não conseguiríamos dar essa resposta em 24 horas, até pela possibilidade de contaminação pelo prazo de vida do vírus em superfícies (no caso, papel). Aí sob risco de atrasar contratações em até uma semana, optou-se por não realizar esse tipo de procedimento, priorizando-se a Saúde, agilizando-se suas aquisições.
Por outro lado, realizamos auditoria mais completa, analisando não só preços, mas entrega e qualidade, de forma concomitante à execução. Estamos com três auditores avaliando contratação e entrega de produtos em mais de 15 contratos. Neste momento, estamos com pendência de algumas informações por parte da Secretaria de Saúde, de forma compreensível, pela concentração de esforços no enfrentamento à evolução do vírus em nosso estado. Até o fim do mês devemos concluir esse primeiro rol de contratos e já iniciar um segundo, até que se acabe as contratações na pandemia.
- Foi fechado com Ministério Público um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) de revisão de contratos na área de tecnologia (TI). Com a possibilidade de caírem nessa “malha fina, isso acarretaria suspensão desses acordos e abertura de novas contratações em TI ? Como a controladoria pode ajudar o Estado para evitar um apagão digital?
Não diria ser uma “malha fina”. É uma adequação da modalidade da contratação do Estado, adequando-a às práticas mais modernas de contratação pública na área. Assim, servirá de base o modelo nacional, inspirando-se na norma infra-legal federal – a Instrução Normativa nº 1, de 4 de abril 2019, do Ministério da Economia. Está para sair um normativo estadual nessa linha. Todos os contratos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) do Estado passarão por essa adequação. Esse é um processo, pois não teríamos como suspender esse tipo de fornecimento de serviços ao Estado. Não ocorrerá esse apagão, pois a previsão é de adequação gradativa, com um prazo de até dois anos.
-O Governo já sabe ou ao menos tem ideia de quanto pode ser a economia gerada a partir dessa revisão (são R$ 460 milhões em grandes contratos e R$ 19 milhões nos menores)?
A implementação desse TAC, como disse, busca adequar o Governo com o que há de mais moderno no tema. Assim, haverá um caminho natural com foco em maior eficiência, economicidade e transparência nessas contratações. Creio que teremos, Governo e Sociedade, ganhos significativos nessas linhas, mas não tenho como estimar o tamanho de tais impactos, pois dependerá muito da concorrência.
-Existe a possibilidade desse TAC ser replicado em outras áreas, como obras, materiais em geral, etc?
Essa é uma ação do Ministério Público Estadual. Esses ajustamentos de conduta decorrem de levantamento de impropriedades ou melhorias a serem implementadas em atos do ente controlado – no caso em tela Governo do Estado e Contratos de TIC. Com relação a outras áreas, não tenho notícias sobre ações do Ministério Público nesse sentido.
-Qual foco de atuação da CGE que gostaria de ressaltar?
Nosso foco de atuação é a avaliação e melhoria de processos, identificação de irregularidades, punição de servidores responsáveis por tais irregularidades, bem como de empresas que participem de qualquer tipo de fraude a licitações e lesão aos cofres do Estado. Ainda, buscamos fortalecer a transparência pública, estimular o Controle Social e abrir canais de ouvidoria com a população, tratando todas as demandas. Nessa linha, justamente por sermos um órgão novo, temos uma visão muito gerencial do negócio. Há um compromisso com o resultado. Para tanto, há toda uma metodologia consolidada no âmbito federal de medição dos resultados, em benefícios financeiros e não financeiros. Regulamentamos tal metodologia aqui no Estado, pois entendemos que, d ponto de vista gerencial, não há sentido na existência de um órgão de atividade meio que não agregue à administração mais que seu custo. Seria um peso que a sociedade não tem como arcar.
Assim, tivemos benefícios financeiros em 2018 e 2019, com economias efetivas e ressarcimento ao erário, de mais de R$ 20 milhões, pouco menos de nosso custo para o Estado. Na Corregedoria, demos andamento aos processos de punição a servidores envolvidos na Operação Lama Asfáltica, já com 3 demissões administrativas e uma referendada judicialmente. Também iniciamos (fomos o sexto estado do Brasil a implementar) a responsabilização de empresas que de alguma forma participam de fraudes em licitações, com duas empresas já sancionadas e multadas, com este recurso sendo depositado nos cofres públicos e mais duas outras – em decorrência da Operação Reagente - com as decisões saindo agora até o fim de agosto.
Súzan Benites
CORREIO DO ESTADO