Prontas para fazer história: Edina Alves e Neuza Back superam testes físicos da FIFA para o Mundial de Clubes
Selecionadas pela FIFA, brasileiras serão as primeiras mulheres a comandar um jogo de futebol masculino de uma competição FIFA profissional.
A noite já se aproximava quando Edina Alves e Neuza Back chegaram ao Complexo Esportivo Doutor Nicolino de Lucca, em Jundiaí, no último sábado (16). Pela frente, elas teriam um dos maiores testes de suas vidas: a prova física da FIFA para arbitrar o Mundial de Clubes, no Catar. Mas a dupla brasileira se acostumou a quebrar barreiras. Este seria apenas mais um desafio.
Depois de mais de uma hora de provas intensas, as duas se reencontraram no centro da pista de atletismo, cansadas e cheias de orgulho. Acabavam ali quaisquer dúvidas: elas serão as primeiras mulheres a comandar um jogo masculino em uma competição da FIFA.
Pioneiras, Edina e Neuza viajarão para representar o sonho delas e de tantas outras mulheres. Elas têm noção da responsabilidade que carregam e do tamanho da confiança depositada nelas.
"É o maior desafio da nossa carreira. É a primeira vez que vai ter mulher no evento adulto, a gente precisa ir lá e corresponder para que essa porta fique aberta. (...) Eu e Edina sempre pedíamos para ir em competições masculinas internacionais. Agora está chegando essa oportunidade. Precisávamos passar no teste físico e, agora que passamos, dá para comemorar que a gente vai", reforçou Neuza.
Com esse sentimento misto de orgulho e responsabilidade, a dupla, que pertence ao quadro internacional da CBF,vai ao Catar para fazer história. Afinal, esta é mais uma página da história do futebol que está prestes a ser escrita por uma brasileira.
"Felicidade imensa em poder representar o nosso país. Eu tenho um orgulho muito grande de representar o Brasil em eventos da FIFA, da Conmebol e quero desempenhar um bom trabalho. Porque nós tivemos grandes árbitros em competições da FIFA e da Conmebol e não quero decepcionar eles, nem a minha família", afirmou Edina.
A ligação
Há cerca de dez dias, Edina e Neuza voltavam juntas de mais um treinamento. Neuza estava dirigindo quando recebeu uma ligação de Leonardo Gaciba, Presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, com um recado importante.
"Ele ligou e falou: 'vocês estão dirigindo?'. Eu disse que sim e ele mandou encostar o carro. Foi aí que ele falou: 'vocês foram convocadas para ir ao Mundial de Clubes'. E eu fiquei meio 'ah, tá… legal'. Desliguei o telefone e perguntei para a Edina se a gente ia mesmo para o Mundial de Clubes. Ela disse que sim, nós saímos do carro, ela me deu um abraço, pulou", contou a assistente.
"Assim como outras criaram esse espaço para nós, vamos deixar um espaço para as próximas"
Do anúncio em diante, Edina e Neuza começaram a preparação. Em meio a jogos do Campeonato Brasileiro, as duas deram início aos treinos ainda mais pesados, de olho na prova que viria para confirmar a participação das duas no Mundial. O circuito, que incluiu testes de agilidade, mudança de direção, pique e resistência, foi repetido à exaustão nos dias anteriores à prova.
"Tudo é adaptação e treino. É igual jogador. Quando ele deseja ser cobrador de falta, quantas vezes ele vai treinar para ter essa habilidade, chegar lá e saber o jeito de bater na bola? Você tem que vir na pista treinar, adaptar a respiração, que precisa de um controle muito bom, o mental também", contou Edina.
As provas
Com céu fechado pela chuva nos últimos dias em Jundiaí, a pista de atletismo ainda estava um pouco úmida. Mas nada poderia impedir o sonho das duas. A primeira a fazer o teste foi Neuza Back. Depois de alguns minutos de aquecimento, a assistente estava pronta para garantir sua vaga no Mundial de Clubes.
A prova começou com corridas curtas, trocando de direção. Depois, tiros médios, com a assistente sempre batendo o tempo. A cada fim de corrida, Neuza descansava aos sons dos gritos de Edina: "Boa, Neuza! Vamos!". Elas estavam juntas por um sonho só. E foi nesse ritmo, com essa motivação, que a assistente terminou a prova de resistência, com dez voltas em diferentes velocidades na pista, e bateu todos os tempos necessários.
"A parte mais difícil é ficar torcendo para a companheira passar também. Como a gente é uma equipe, se uma reprovar, compromete o trabalho de todas. Além de você fazer a sua parte, você fica na torcida e agoniada para ver a tua parceira passar também", revelou Neuza.
Depois, as duas trocaram de papel e foi a vez de Neuza torcer por Edina. Concentrada, a árbitra fez o circuito de movimento lateral, os pequenos tiros e, depois, a corrida de resistência. A cada vez que acelerava, Edina mostrava na firmeza de sua passada a determinação para chegar ao Catar.
"Você é a mulher mais forte que eu conheço!"
Já nas últimas voltas, a árbitra ainda ganhou uma aliada importante. Nos metros finais de corrida, mesmo após realizar a sua própria prova, Neuza passou a correr ao seu lado, como incentivo. E sempre que a via se distanciar para mais uma volta, dizia: "Você é a mulher mais forte que eu conheço. Você tem muita força!". Foi nessa pegada que Edina terminou a prova e confirmou a realização de um sonho para as duas: elas estarão no Mundial.
O Mundial
Indicadas pela FIFA para compor um dos sete trios no Mundial de Clubes de 2020 no Catar, Edina Alves e Neuza Back trabalharão ao lado da argentina Mariana Almeida. Elas viajam para a competição no fim de janeiro. O torneio será disputado nas primeiras semanas de fevereiro e terá um representante brasileiro: Santos ou Palmeiras, que se enfrentam na final da Conmebol Libertadores.
A entidade maior do futebol mundial já havia indicado árbitras para trabalhar na Copa do Mundo Sub-17 em 2017, na Índia, e em 2019, no Brasil. Mas esta será a primeira vez que uma mulher comandará uma partida profissional de um torneio da FIFA.
"Agradeço aos que estão no comando da CBF, ao Leonardo Gaciba e ao Presidente Rogério Caboclo, que abrem sempre as portas e dão oportunidades para nós. Não pensam no gênero e sim na capacidade. Eu só queria trabalhar em um jogo da Série A do Brasileiro. Eu passei minha carreira inteira falando isso para os meus amigos e para as pessoas que me conheciam. Às vezes, eu achava que estava pedindo errado, porque eu cheguei a bandeirar, ser quarta árbitra e adicional na Série A. Eu realizei esse sonho em 2019 e, depois disso, a minha vida mudou", revelou Edina.
Além da confiança das pessoas, as conquistas de Edina e Neuza são fruto de muito suor e competência. Desta forma, quando apareceram as oportunidades, elas fizeram por merecer cada vez mais espaço. Foi assim que o sonho da dupla se tornou mais do que realidade. Virou história.
"Graças a Deus, as coisas vêm acontecendo, mas a gente trabalhou muito para isso. Eu estou com 22 anos de carreira, formada há 20 anos e não é fácil. Já caímos e já levantamos, mas nunca desistimos. Assim como outras criaram esse espaço para nós, e estamos seguindo ele, nós vamos deixar um espaço para as próximas seguirem também", concluiu a árbitra.
Confederação Brasileira de Futebol - CBF