Ex-Cirque du Soleil vai disputar primeira Olimpíada aos 45 anos; leia entrevista

28/02/2024 04h40 - Atualizado há 2 mêses

Bill May vai representar os Estados Unidos no nado artístico, "um dos esportes mais difíceis do mundo"

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Bill May compete com a equipe mista do Time Estados Unidos no Mundial de Esportes Aquáticos de Doha, onde conseguiu a vaga nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 / Maddie Meyer/Getty Images

Durante décadas, Bill May sonhou em competir nas Olimpíadas. Não foi a capacidade atlética que o impediu de atingir esse objetivo até agora, mas uma questão muito mais fundamental: ele é um homem.

Até recentemente, os nadadores artísticos do sexo masculino eram excluídos da competição nos Jogos Olímpicos. Há pouco mais de um ano, a regra mudou, e o veterano de 45 anos finalmente poderá realizar este sonho.

“Não há nada no mundo que me faça mal neste momento”, diz ele à CNN, compreensivelmente exultante após a qualificação dos EUA para os Jogos deste ano, em Paris. “Tudo é lindo, incrível, maravilhoso. Nós vamos para as Olimpíadas.”

Poucos atletas serão mais merecedores da vaga nos Jogos deste ano, que começam em julho, do que Bill May, e poucos terão tido um caminho tão oneroso e tortuoso para chegar lá.

Uma década no Cirque du Soleil

Há precisamente 20 anos, quando os homens ainda eram proibidos no nado artístico (ex-nado sincronizado), May assistiu da beira da piscina a seleção dos EUA conquistar o bronze em Atenas.

Depois disso, ele se afastou do esporte, juntando-se ao Cirque du Soleil em sua produção aquática, “O”. A vida no espetáculo seguiu pelos próximos 10 anos, pelo menos até que sua carreira competitiva ganhasse um novo capítulo.

Primeiro homem campeão mundial

Quando os atletas masculinos receberam permissão para competir no Mundial da modalidade, em 2015, May mais uma vez se viu trocando de faixa. Ele se tornou o primeiro vencedor do evento técnico de dueto misto ao lado de Christina Jones naquele ano e agora está, finalmente, pronto para competir no Olimpo do esporte.

Em dezembro de 2022, a World Aquatics anunciou que até dois nadadores artísticos masculinos de equipes de oito poderiam competir nas Olimpíadas de Paris.

"Isso é algo com que sonhei durante toda a minha vida. É mais uma coisa para acrescentar à minha lista de sonhos que continuam se tornando realidade. Sinto que minha vida é um clichê. Este esporte deu-me muito e, agora, ter o sonho absoluto de ir aos Jogos Olímpicos, isto é algo que ninguém no mundo poderia deixar passar, mesmo que fosse só para tentar", Bill May, nadador artístico dos Estados Unidos.

Nado artístico e nado sincronizado: mesma coisa

O nado artístico, conhecida como nado sincronizado antes da mudança de nome em 2017, tem uma longa e complicada história no que diz respeito à participação masculina no esporte.

Popularizado nos Estados Unidos na primeira metade do século 20, os homens fizeram parte dos anos de formação do nado artístico.

Por que os homens eram excluídos?

No entanto, os competidores masculinos foram posteriormente diminuídos no esporte devido a certas características físicas: eles eram mais pesados, menos flexíveis – o que dificulta estender as pernas – e menos flutuantes do que as atletas femininas.

“Estamos habituados a ver um esporte com muita graça, muita elegância e também com um grande componente coreográfico”, disse o nadador artístico italiano Nicolò Ogliari à CNN em 2021. “É uma dança na água. Talvez estejamos mais acostumados a ver uma mulher fazer essas coisas. Mas, como na dança clássica, também no nado artístico, há homens.”

“Vem do coração, não de um gênero”

Quando o nado artístico foi adicionada às Olimpíadas em 1984, apenas as mulheres podiam competir. Assim permaneceu nos últimos 40 anos, mas a competição deste ano marcará um momento sísmico na história do esporte.

"Isso é algo que vem do nosso coração, não de um gênero. Nunca consigo entender por que alguém manteria outro de fora. Por um lado, impede o crescimento do esporte. E dois, simplesmente não é justo. Não representa a humanidade. Não é assim que queremos representar o esporte em nossa cultura", Bill May, nadador artístico

Mudança de carreira após o sonho em Paris

May, que se concentrará na carreira de treinador após os Jogos deste ano, foi descrito como um “Deus” do esporte pelo também competidor Giorgio Minisini. O nova-iorquino pratica nado artístico desde os 10 anos, quando, após insistência da mãe, acabou ingressando nas aulas da irmã.

Posteriormente, mudou-se para a Califórnia, mas apesar de conquistar uma série de títulos nacionais, sua carreira foi restringida pela falta de oportunidades para homens do mais alto nível.

“Um dos esportes mais difíceis do mundo”

Hoje, May fica na piscina entre oito e 10 horas por dia enquanto se prepara para as Olimpíadas, além de treinamento cruzado, exercícios básicos, flexibilidade e musculação. Para ele, o nado artístico é um dos esportes — senão o mais — mais exigente fisicamente do programa olímpico.

"Você tem que se mover como um dançarino. Você tem que dar cambalhotas e incluir acrobacias como uma ginasta ou um acrobata. Você tem que ter a resistência de um corredor de maratona e fazer todas essas coisas sem respirar e sem tocar o fundo. Não existe um esporte no mundo onde você não consiga respirar enquanto pratica todo o evento, junto com todo o resto combinado. Eu realmente acho que é um dos esportes mais difíceis do mundo", Bill May, nadador artístico

Seis medalhas em disputa nos Jogos

Um novo evento – uma rotina acrobática – foi adicionado ao programa de nado artístico deste ano, juntamente com rotinas técnicas e livres. Os atletas competirão em equipe ou dueto, com um total de seis medalhas em disputa.

“Sinto que vamos jogar com a melhor equipe do mundo — a equipe que trabalha mais, a equipe que tem mais garra e determinação”, diz May sobre as hipóteses dos EUA nos Jogos Olímpicos deste ano, tendo garantido vaga por meio do campeonato mundial deste mês. “Acho que a oportunidade de conseguir uma medalha é muito forte.”

Sem guardar rancor

Após ter negada por tanto tempo uma vaga nas Olimpíadas, May não guarda nenhum sentimento de amargura ou arrependimento pela exclusão masculina dos eventos de nado artístico, apenas gratidão por ter conseguido terminar sua carreira competitiva em um nível tão espetacular.

“Sei que este esporte me deu uma vida além de tudo que eu poderia imaginar”, diz ele.

Amanda Davies e George Ramsay da CNN