Após decisão do STF, cartório entrega primeira certidão a uma trans em Dourados
Nosli Melissa é a primeira mulher a retirar o documento sem precisar de laudos patológicos
A manhã de terça-feira (17), foi histórica não somente para a Nosli Melissa de Jesus Bento, que agora possui a certidão de nascimento com o nome feminino, mas para Dourados, que entregou o documento pela primeira vez após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), no dia 28 de fevereiro passado, que excluiu a necessidade de laudos patológicos para que pessoas trans possam refazer seus documentos.
Com exclusividade o Dourados News acompanhou de perto a retirada do documento, no Cartório do 2º Ofício, marcada com nervosismo e emoção. Nosli contou um pouco da luta até o dia de hoje e o que este momento representa.
“Este dia marca uma nova fase na minha vida, porque agora posso me identificar como realmente o que sou, ou seja, mulher. Até ontem, por exemplo, ações simples podiam se tornar constrangimentos como o dia em que fui ao banco sacar R$ 50 e fui acusada de falsidade ideológica, pois meus documentos apresentavam um nome masculino; precisei ir até ao gerente e explicar em cinco minutos o que era uma pessoa trans”, menciona Nosli.
Para Nosli a nova certidão de nascimento é representatividade de uma minoria tratada muitas vezes, segundo ela, como doente mental, que tem como base o Apa (Associação Norte Americana de Psiquiatria) e o Cid (Classificação Internacional de Doenças), da Organização Mundial da Saúde.
“Antes da decisão do STF, era preciso movimentar a máquina do judiciário com laudos patológicos, laudos de no mínimo dois anos de acompanhamento com endocrinologista, psicológico e psiquiátrico, pois a pessoa trans é vista e tratada na sociedade como alguém que possui um transtorno mental e não é assim; não escolhemos, mas nascemos e somos assim”, relatou ela acrescentando que decidiu dar entrada nos novos documentos agora que não há mais a necessidade de laudos, como já citado.
Segundo Nosli, o processo agora é simplificado, basta se dirigir ao cartório e solicitar a nova certidão.
“Nos cartórios eles irão pedir os documentos atuais e a ficha de antecedência criminais, feito isso, volta ao cartório; no meu caso, em uma semana consegui pegar minha certidão”, afirmou.
Identidade
Nosli Melissa contou também à reportagem que se entendeu estar no corpo de um homem, aos dez anos, mas que foram anos para conseguir independência.
“Eu me descobri aos dez anos, porém só quando comecei a trabalhar, conquistei minha identidade, pude assumir minha verdadeira identidade, entendendo que não é um órgão genital que faz da pessoa mais ou menos homem ou mulher; aliás a luta dos transexuais também consiste nisso. Mesmo eu tendo nascido com a genital masculina, o meu interno, minha identidade interna é feminina”, contou.
Preconceito
“Para nós, mulheres trans, quando somos reconhecidas, evitamos que ocorra o preconceito, o constrangimento, passamos a ser vistas e reconhecidas como cidadãs no nosso país”.
Outro ponto mencionado por Nosli é o fato que a exclusão faz com que muitas acabam seguindo por caminhos errados como a prostituição, onde acabam sendo mortas antes dos 30 anos.
“A expectativa de vida de uma pessoa trans que infelizmente vai para a prostituição, pois é excluída do mercado de trabalho, é de 27 anos, enquanto de uma pessoa que vive dentro dos padrões do sistema, ou seja, é heterossexual, vive em média, até os 77 anos”, concluiu.
Por Dourados News
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