Prefeitura leva moradores de invasão para terreno sem água e cria nova favela

27/09/2022 08h29 - Atualizado há 1 ano

Famílias que saíram da Comunidade Lagoa ainda encontram dificuldade para construir uma moradia digna no novo local

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GERSON OLIVEIRA

Após ter passado mais de um mês desde que a Prefeitura de Campo Grande autorizou o reassentamento de 21 famílias da Comunidade Lagoa, nem todos os moradores conseguiram realizar a mudança para o novo loteamento e quem conseguiu está passando por dificuldades, especialmente com a falta de abastecimento de água e energia elétrica.

Na prática, a administração criou uma outra favela.

A reportagem do Correio do Estado esteve no terreno, o qual fica no Portal Caiobá, e conversou com os moradores, que foram unânimes em dizer que a situação continua a mesma, senão pior, de quando eles estavam morando no Jardim Colorado, até porque agora também não conseguem construir novas moradias.

De acordo com uma das moradoras, que não quis se identificar, nem todos os selecionados conseguiram mudar porque dependem de recursos financeiros para realizar o frete, reconstruir os barracos e fazer as melhorias necessárias.

Entre todos os moradores, apenas uma família teve condições de furar um poço para conseguir captar água e é por meio dele que todos os outros moradores estão sendo abastecidos.

Ainda de acordo com a moradora, nem todos dispõe de recursos para fazer tal obra, que pode custar entre R$ 1,3 mil a R$ 2 mil.

“Eles colocaram a gente aqui e não fizeram mais nada, não sabemos nem se terá um auxílio para a gente poder comprar os materiais e construir, senão vamos ficar todos em barracos de novo”, afirmou a moradora.

Ela ainda acrescenta que a maior parte dos barracos foram construídos com os materiais reaproveitados das casas antigas, o que também gera mais um obstáculo.

“Temos de desmanchar lá para construir aqui e leva tempo e dinheiro. O que eu queria mesmo era uma casa, porque a gente já morou tanto em barraco, e agora viemos para cá, e não tem água e nem energia”, relatou.

A moradora ainda alegou que em uma das reuniões que antecederam o reassentamento a equipe da Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (Amhasf) garantiu que o loteamento já estaria adequado para a mudança, com infraestrutura mínima, como água e energia.

Os moradores tiveram de realizar a mudança sem que houvesse esse abastecimento, porque outras pessoas, que também precisam de moradia, estavam ameaçando ocupar a área, que é da prefeitura e até então estava desocupada.

Ela ainda acrescenta que o lado bom do reassentamento é o fato de que o terreno será regularizado e os moradores pagarão por algo que é deles, não sendo mais uma ocupação irregular.

“Eles colocaram a gente aqui e não fizeram mais nada. Eu tenho mensagens com a equipe, e sempre falam que depende da burocracia para conseguir fazer as coisas e ficamos esperando”, contou.

AO RELENTO

Uma das selecionadas para o reassentamento foi Eva Marina Martins de Souza, de 63 anos, que morava na Comunidade Lagoa há cinco anos.

Lá, conseguiu inclusive construir uma casa pequena de alvenaria, onde morava com seu filho, de 50 anos, que sofre de paralisia cerebral desde criança, e seu filho adotivo de 15 anos.

Ao Correio do Estado, Eva relatou que aproveitou as telhas e algumas madeiras da antiga casa para construir seu barraco. Entretanto, não foram suficientes para montar uma estrutura minimamente segura ou que pudesse proteger do vento e da chuva.

Além disso, o chão é de terra batida e as lonas usadas não chegam a formar uma barreira, deixando-a praticamente no relento e tudo foi comprometido, ainda mais com a chuva.

“A chuva acabou molhando tudo, e eu não consegui construir quase nada porque sinto muita dor e estou sem os remédios que preciso. Tudo que a gente precisa tem de pagar e a gente não tem, então, eu mesma faço”, relata, acrescentando que sofre de lordose, o que deixa sua mobilidade comprometida.

Ela é uma das pessoas que estão dependendo do poço para ter água.

“Está pior que lá, mas, por outro lado, é bom porque a gente está no que é da gente, mas é um sacrifício ter de viver nessa sujeira. Tem hora que só quero chorar”, desabafa a idosa.

Como Eva sofre de lordose, ela recebe um benefício de R$ 1 mil, em que metade vai para gastos com remédios e o restante é destinado para alimentação e outras necessidades básicas.

“Tenho de tomar uns cinco comprimidos para conseguir trabalhar durante o dia e agora estou sem remédio nenhum. Recebi meu benefício e tive de pagar três caminhões para trazer tudo, então, agora tenho de esperar o mês que vem para ter dinheiro”, disse.

Por outro lado, ela diz ter esperança de construir uma casa e diz que gostou da localização do terreno por estar perto do posto de saúde e de um mercado.

O OUTRO LADO

Questionada pela reportagem, a prefeitura disse que as ligações de água e energia foram solicitadas junto às concessionárias, entretanto, os processos estão em fase de finalização e implantação.

O Executivo ainda afirma que toda infraestrutura para o abastecimento de água será pago pela própria prefeitura. Não houve esclarecimento se a estrutura da energia também será financiada pelo poder público.

Em relação à transferência dos moradores para o terreno mesmo sem ter abastecimento de água e energia, a prefeitura alegou que “o reassentamento das famílias em local digno e seguro é mais apropriado do que elas continuarem a viver em local insalubre’’.

Em nota, a prefeitura ainda acrescentou que a regularização do terreno em que as famílias estão agora garantirá a segurança jurídica e a inserção da comunidade no perímetro urbano regular.

Por sua vez, as concessionárias de água e energia alegaram à reportagem que não foram oficiadas sobre o pedido para abastecimento da nova comunidade.

Comunidade Lagoa

A mudança dos moradores da Comunidade Lagoa para o novo terreno veio após diversas reportagens do Correio do Estado retratarem a situação insalubre em que essas pessoas viviam.

Com cerca de 100 famílias morando em um terreno no Jardim Colorado, parte dessas pessoas bebiam água suja de uma ligação clandestina feita pelos próprios moradores na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Águas Guariroba. Por causa disso, várias delas tiveram problemas de saúde.

ANA CLARA SANTOS

CORREIO DO ESTADO