Consórcio tira 140 ônibus das ruas em 3 anos e passageiros enfrentam 'maratona' em Campo Grande
Trabalhadores e estudantes esperam mais de 1h para entrar em ônibus superlotados do Consórcio Guaicurus
A denúncia revelada pelo Jornal Midiamax após relatos sobre os ônibus fantasmas, que deixam passageiros esperando horas por veículos que não passam, expõe outro problema no transporte coletivo de Campo Grande: a falta de ônibus. Conforme apurado pela reportagem, o Consórcio Guaicurus tirou de circulação 140 ônibus nos últimos três anos, passando de 552 em 2019 para 412 em 2022.
Em contrapartida, Campo Grande ganhou 36 mil novos moradores, saltando de cerca de 906 mil em 2019 para 942 mil no ano passado, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O número está abaixo do mínimo estipulado em contrato, que é de 575 ônibus em circulação. Enquanto isso, passageiros precisam aguardar mais de 1 hora para conseguir um ônibus, dependendo do horário e da linha.
Reportagens do Midiamax mostraram que o Consórcio Guaicurus opera com frota sucateada, com idade média dos ônibus acima dos 5 anos estipulados em contrato de concessão. Então, além de enfrentar veículos velhos, passageiros também encaram superlotação e falta de informações corretas.
Apesar de denúncias sobre o serviço prestado em Campo Grande, o Consórcio Guaicurus vai embolsar R$ 32 milhões em verbas públicas somente este ano, além dos R$ 31 milhões que recebeu no ano passado. E, diferente do alegado pela diretoria da concessionária, as empresas de ônibus tiveram lucro líquido de R$ 68 milhões somente nos primeiros sete anos de concessão - entre 2012 e 2019.
Então, passageiros denunciam verdadeira 'maratona' para enfrentar o serviço precário do transporte coletivo de Campo Grande para trabalhar. É o caso da cuidadora Arlete Maria Xavier, de 56 anos. Ela relata que pegar ônibus é a parte mais exaustiva do seu dia. Ela trabalha oito horas por dia e passa mais quatro horas dentro de um ônibus. No total, são 12 horas fora de casa.
Arlete é uma das leitoras do Jornal Midiamax que, ao ver reportagem sobre os ônibus fantasmas, decidiu contar sua experiência com o serviço oferecido pelo Consórcio Guaicurus. O grupo de empresas detém concessão bilionária de 20 anos para administrar o transporte público e é alvo de investigação.
A rotina da cuidadora Arlete começa antes das 6h, para enfrentar duas horas em apenas duas linhas de ônibus para chegar ao trabalho. Depois de oito horas exercendo sua função, ainda encara mais duas horas de ônibus na volta para casa. "Eu canso mais no ônibus do que trabalhando", diz.
Ela ainda relata atrasos constantes dos ônibus, além da lotação, imprevistos mecânicos e horas de espera. "A gente paga caro para andar sem o mínimo de conforto. O ônibus chega lotado e é muito calor", relata a leitora.
Passageiros usam serviço precário diariamente
Basta uma matéria sobre a precariedade do transporte coletivo de Campo Grande para "chover" relatos de leitores do Jornal Midiamax sobre as dificuldades enfrentadas no dia a dia.
Nas redes sociais, leitores confirmam a existência dos 'ônibus fantasmas' que expõem passageiros a horas e horas de espera em vão. Além de atrasos constantes, ônibus superlotados, sucateados, entre outros problemas.
"Andar de ônibus e horrível aqui em Campo Grande", diz um leitor. "Você tem que ter paciência pra esperar o ônibus com 1 hora ou mais pra chegar em casa e são frotas de veículos em péssimas condições de uso", diz outro relato.
A reportagem pediu posicionamento para a prefeitura de Campo Grande sobre a fiscalização e cobrança de melhorias no transporte coletivo, mas não obteve retorno.
Também foi solicitado retorno do Consórcio Guaicurus sobre os problemas relatados na reportagem, mas não obtivemos resposta.
O espaço segue aberto para manifestação.
Subsídio milionário sem renovação de frota de ônibus
Reportagem do Jornal Midiamax mostrou que, somente em 2023, o Consórcio Guaicurus receberá mais de R$ 32 milhões entre subsídios do poder público e benefícios fiscais. Apesar disso, o grupo de empresas de ônibus de Campo Grande mantém frota sucateada e é alvo de reclamações diárias de passageiros.
Vale lembrar que o Consórcio Guaicurus não coloca novos ônibus em circulação desde 2019 e mantém frota com idade média acima da estipulada em contrato de concessão, conforme apontou perícia judicial em ação ingressada pelas próprias empresas de ônibus na Justiça.
A expectativa é de que o número de novos ônibus possa chegar a 30 até o fim do ano, para dar alívio aos usuários que pagam tarifa de R$ 4,65 e que coloca Campo Grande com o 10º passe mais caro entre as capitais.
A concessão do transporte público de Campo Grande, alvo de processo na Justiça de Mato Grosso do Sul por suspeita de corrupção, foi entregue ao Consórcio Guaicurus após licitação encerrada em outubro de 2012, no "apagar das luzes" da gestão do então prefeito Nelsinho Trad (PSD).
O grupo formado pelas empresas Viação Cidade Morena, São Francisco, Jaguar Transportes Urbanos e Viação Campo Grande ganhou o direito de explorar o transporte da cidade por duas décadas. O faturamento previsto à época somava a quantia bilionária de R$ 3,4 bilhões.
Frota sucateada há oito anos
Laudo técnico pericial realizado pela empresa Vinicius Coutinho Consultoria e Perícia, a pedido da Justiça, mostra que o descumprimento contratual relacionado à idade média dos ônibus que circulam em Campo Grande acontece desde 2015.
Como é possível conferir no infográfico abaixo, com base nas informações da empresa de perícia, a partir de 2015 a idade média ponderada dos ônibus que circulam em Campo Grande está acima dos 5 anos, que é a idade 'limite' prevista no contrato de concessão com o município.
O número de ônibus em circulação também ficou abaixo do permitido pelo contrato nos anos de 2018 e 2019, quando havia 565 e 552 veículos em circulação, respectivamente, abaixo do mínimo estabelecido em contrato de 575 ônibus. O baixo número de veículos explica os constantes atrasos e baixa frequência de ônibus passando pelos pontos, reclamação constante dos passageiros.
Ônibus velho, goteira e guarda-chuva...
A situação precária dos ônibus de Campo Grande evidenciada nas tabelas é sentida no dia a dia dos passageiros, que sofrem com veículos quebrados e até com goteiras dentro. Além disso, apesar do lucro de R$ 68 milhões que os empresários do transporte coletivo ganharam, os veículos articulados e com ar-condicionado (executivos) foram retirados de circulação.
Além da superlotação relatada diariamente pelos usuários do transporte público da Capital, dias de chuva desencadeiam outras situações: goteiras e ônibus molhados.
A precariedade dos veículos utilizados pelo Consórcio Guaicurus em Campo Grande não é novidade. Basta chover que passageiros flagram goteiras dentro dos veículos. Alguns tiveram até que utilizar guarda-chuva dentro do coletivo por conta das goteiras.
Assim como a operadora de call center Edna de Sousa Nonato, de 52 anos, que afirmou que os bancos também ficaram molhados durante o trajeto. A maior parte dos passageiros ficou em pé, tentando desviar das goteiras.
'Velho e lotado'
Ônibus velho, superlotado e que passa apenas de hora em hora. Essa é a realidade enfrentada pelos passageiros da linha 063, em Campo Grande. A situação gera reclamação de usuários do transporte coletivo, que agora pagam R$ 4,65 pelo serviço e pedem que o Consórcio Guaicurus disponibilize mais carros nos horários de pico.
Após receber reclamações de passageiros que utilizam a linha 063 (Terminal Moreninhas x Terminal Aero Rancho), a reportagem do Jornal Midiamax embarcou no ônibus, no horário de pico, para mostrar a realidade vivida pelos usuários do transporte público.
Enquanto a estrutura do ônibus inteiro vibrava, a nossa equipe de reportagem conversou com Luciana Beltrão, de 41 anos, que estava em pé ao nosso lado. “Essa linha é lotada em horários de pico, e ele só passa de uma em uma hora e só tem um ônibus. Muita gente precisa dele porque só ele faz esse percurso por dentro dos bairros”, disse ela.
Consórcio não reponde
A reportagem do Jornal Midiamax solicitou posicionamento do Consórcio Guaicurus, mas não obteve resposta até a publicação deste material. No entanto, o espaço segue aberto para manifestação.
Priscilla Peres e Gabriel Maymone
MIDIAMAX