Após seis anos, famílias ainda moram em barracos à espera da casa própria

20/06/2022 14h57 - Atualizado há 1 ano

Retirada de moradores da antiga favela ocorreu em 2016, com a promessa de novo lar em outro local

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Divulgação

ALESSANDRA MESSIAS, DAIANY ALBUQUERQUE

Em março de 2016, moradores da favela Cidade de Deus, localizada no Bairro Dom Antônio Barbosa, em Campo Grande, começaram a ser retirados da ocupação e encaminhados a novos terrenos, onde a prefeitura, na gestão do então prefeito Alcides Bernal, prometeu construir as tão sonhadas casas. Entretanto, seis anos depois, muitos moradores ainda residem em barracos improvisados.

Isso porque apenas 42 casas foram entregues na época pela prefeitura, que havia firmado convênio com a ONG Morhar Organização Social no valor de R$ 3,6 milhões para a entrega de 300 habitações.

A entidade, no entanto, apesar de receber dos cofres públicos R$ 2,7 milhões, finalizou apenas 42 unidades habitacionais em um dos loteamentos para onde os moradores da antiga favela foram encaminhados. Ao todo, foram quatro locais, Vespasiano Martins (onde casas foram entregues em 2016), Canguru, José Teruel I e II e Bom Retiro.

Na prática, a prefeitura transformou uma favela em quatro, já que para esses moradores foram entregues lonas, madeiras e pregos, para que eles construíssem novos barracos nesses loteamentos.

Por causa da discrepância entre o valor entregue à ONG e o número de habitações finalizadas, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) ingressou com ação civil pública de ressarcimento, para que o então prefeito Alcides Bernal, outras 12 pessoas e a Morhar Organização Social devolvam quase R$ 2 milhões à Prefeitura de Campo Grande.

Nestes seis anos, a administração municipal entregou 136 casas no loteamento Bom Retiro, construídas pelo Programa Credihabita, criado pela Agência de Habitação e Assuntos Fundiários (Amhasf) para aquisição de materiais de construção e contratação de assistência técnica para habitação de interesse social (Athis).

Outras 52 unidades habitacionais no Jardim Canguru estão em fase de conclusão, por meio de parceria com o governo do Estado e a prefeitura, que previa a construção de 150 casas. As outras 98 residências são no José Teruel I e II, e essas últimas também não estão prontas.

Maicon Freitas de Andrade, 23 anos, mora com a esposa, Adriele Sousa da Silva, 30 anos, e dois enteados (um menino de 4 anos e uma menina de 11 anos), há quatro anos, no loteamento Pedro Teruel. A família divide quatro cômodos improvisados, sendo sala, cozinha, quarto e banheiro. A varanda onde fica a pia de lavar louças e a máquina de lavar roupas já teve as telhas retiradas.

“Temos expectativa de uma vida melhor com a entrega da casa. Sofremos quando chove muito, porque molha. E é ruim no frio, com a ventania forte. Ficamos com medo de o vento levar o telhado”, disse Andrade.

No mesmo loteamento, Elaine Aparecida Arruda, 35 anos, está na região há 11 anos. Ela viu o crescimento do local onde era a favela que se tornou loteamento.

“Estamos aqui desde o início. Viemos morar aqui antes do Bernal. Ele tentou acabar com a favela. Teve tropa de choque, polícia, mas não conseguiram nos tirar daqui”, destacou Elaine.

Morando em uma casa de tábuas e cercas de madeira em dois terrenos que divide com a mãe, Eva Arruda, 75 anos, Elaine diz que não perdeu a esperança de receber sua casa própria. “Hoje, moro em um terreno e minha mãe em outro, mas acredito que este ano, que é eleitoral, a obra será finalizada”, ponderou a moradora.

VESPASIANO

O único loteamento entregue pelo ex-prefeito Alcides Bernal, no Vespasiano Martins, foi demolido em 2021, após vistoria no local condenar as casas construídas nele, em decorrência de o terreno ter o lençol freático aflorado, o que causou rachadura em algumas casas.

Depois de passar cinco anos no local, as 42 famílias tiveram suas casas demolidas pela prefeitura, que as encaminhou para outro loteamento, localizado no Parque dos Sabiás. As residências também foram erguidas por meio do Credihabita.

A dona de casa Aparecida da Conceição Guimarães, 64 anos, conta que no dia 28 de maio de 2022 comemorou um ano residindo no Parque dos Sabiás com os dois filhos, um de 16 anos e outro de 37 anos.

“Morávamos na favela Cidade de Deus e fomos enviados para o Vespasiano Martins e disseram que não íamos sair mais. Mas depois falaram que a área não era própria para nós”, informou a moradora.

Aparecida conta que morou na favela por cerca de oito anos e depois foi levada para o Vespasiano, com a promessa de um lar definitivo.

“Falaram que as casas estavam caindo. Minha casa não tinha rachadura, mas algumas tinham problemas. A casa foi entregue na época pelo Bernal. Ficamos uns quatro anos no Vespasiano Martins e depois viemos para o Parque dos Sabiás”, disse.

Ela mora na Rua João Carlos Constante Giroto, que já está asfaltada, e destaca que a casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro realizou “o sonho da moradia própria”. “Vamos fazer o muro. O material de construção já está comprado”, destacou.

Mãe de quatro filhas, de 10, 11, 12 e 13 anos, a dona de casa Mariana Gonçalves, 30 anos, também é uma das moradoras que viu a casa em que viveu por cinco anos ser demolida. Segundo ela, neste um ano no outro terreno a situação melhorou.

“Há cerca de um ano temos outra vida. Totalmente diferente. Agora nem escuto o barulho da chuva. No Vespasiano, minha casa destelhou duas vezes. Não tinha piso. Aqui tem piso. A nossa luta era para ter uma moradia digna”, finalizou Mariana, que mora com as quatro filhas e o marido.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande para saber quando as casas no José Teruel I e II serão entregues, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.

SAIBA

A ação civil pública movida pelo Ministério Público de MS pede que Alcides Bernal e outras 12 pessoas, entre ex-secretários e funcionários da ONG Morhar, devolvam valor de R$ 1.927.944,79.

CRONOLOGIA

Março de 2016 > Naquele mês, a Prefeitura de Campo Grande iniciou o processo de retirada dos moradores da antiga favela Cidade de Deus, localizada próximo ao lixão de Campo Grande, no Bairro Dom Antônio Barbosa, para outras áreas.

Junho de 2016 > A prefeitura firmou convênio com a ONG Morhar Organização Social, com o objetivo de construir 300 casas para os moradores da antiga favela, que foram divididas em quatro loteamentos (José Teruel I e II, Canguru, Vespasiano Martins e Bom Retiro). O valor total do convênio era de R$ 3,6 milhões.

Julho de 2016 > Alcides Bernal entregou 42 casas feitas pela ONG no loteamento Vespasiano Martins.

Dezembro de 2016 > Prefeitura rompeu o convênio com ONG Morhar com apenas 42 casas entregues e R$ 2,7 milhões pagos.

Julho de 2021 > Nova administração municipal finalizou a entrega de casas no loteamento Bom Retiro.

Julho de 2021 > Prefeitura entregou as últimas unidades habitacionais no Parque dos Sabiás para famílias que haviam sido levadas para o loteamento Vespasiano Martins.

CORREIO DO ESTADO