Renda comprometida com dívidas é a menor desde antes da pandemia

04/04/2023 11h05 - Atualizado há 1 ano

Parcela de famílias com atrasos acima de 90 dias é a maior em um ano

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© José Cruz/Agência Brasil

Por Ana Cristina Campos – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), apontou estabilidade no endividamento das famílias, no primeiro trimestre. O mês de março terminou com 78,3% das famílias endividadas, mesmo índice de fevereiro. O levantamento foi divulgado nesta terça-feira (4).

Um dos destaques da pesquisa é o percentual de renda comprometida com dívidas, que se estabeleceu em 29,9% do rendimento das famílias e é o menor patamar desde fevereiro de 2020. O nível de inadimplência também caiu pela quarta vez consecutiva e atingiu 29,4% das famílias, queda de 0,4 ponto percentual (pp) em março.

Superendividamento

Do total de famílias que relataram ter dívidas a vencer (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e de casa), 17,1% consideravam-se muito endividadas, indicador que também se manteve inalterado na passagem mensal, após duas altas consecutivas.

“O endividamento dos consumidores vem apontando moderação desde outubro, cresceu entre janeiro e fevereiro, com orçamentos apertados pelas despesas típicas do início do ano, e encerrou o trimestre em estabilidade”, explicou, em nota, Izis Ferreira, economista da CNC responsável pela Peic.

Segundo a economista, a melhora da renda disponível com a evolução positiva do mercado de trabalho e a desaceleração da inflação atenuaram os indicadores de inadimplência, que fechou o trimestre em 29,7% das famílias. “Apesar disso, quem tem dívidas atrasadas há mais tempo continua com dificuldades de sair da inadimplência por causa dos juros elevados”, disse Izis.

A Peic mostrou que a proporção de consumidores sem condições de pagar dívidas atrasadas de meses anteriores chegou a 11,5% do total em março, com ligeira queda de 0,1 pp em relação a fevereiro, mas apresentou o maior nível desde novembro de 2020, no comparativo entre as médias trimestrais.

A redução da contratação de dívidas em março se deu entre os consumidores nas duas primeiras faixas de renda, de até três salários mínimos e de três a cinco salários mínimos. Nas faixas de maior renda, entre cinco e dez salários e acima de dez salários mínimos, a proporção de endividados cresceu. De acordo com Izis Ferreira, isso é reflexo de maior consumo de serviços pelos mais ricos.

O indicador de dívidas atrasadas também diminuiu na margem para os dois grupos considerados mais pobres, enquanto avançou entre os com renda entre cinco e dez salários mínimos. “O Bolsa Família com valores maiores e as contratações formais de pessoas com menor nível de escolaridade têm auxiliado as famílias de menor renda no pagamento de dívidas”, disse a economista.

Apesar disso, na comparação anual, a Peic demonstrou que o volume de famílias com dívidas atrasadas aumentou em todas as faixas de rendimento.

O percentual de consumidores com dívidas atrasadas de meses anteriores também encerrou o trimestre em queda entre os mais pobres, mas avançou 1,1 pp no ano. O índice cresceu na comparação anual apenas nas duas primeiras faixas de renda, de até cinco salários mínimos.

O comprometimento da renda de todos os brasileiros com dívidas caiu para 29,9% dos rendimentos. A cada R$ 1 mil, o consumidor gastou, em média, R$ 299 com o pagamento de dívidas em março. Esse valor é o menor desde fevereiro de 2020, antes da pandemia da covid-19.

“Entre as famílias de menor renda, a redução da proporção dos endividados também foi acompanhada da queda do comprometimento da renda dessas famílias com dívidas. Os consumidores que recebem até três salários mínimos fecharam o trimestre dedicando 30,9% da sua renda para pagar dívidas, o menor percentual desde junho de 2021. A cada R$ 1 mil, eles gastaram R$ 309 para pagar dívidas com instituições financeiras”, diz a CNC.

Já a parcela média da renda dos mais ricos comprometida com dívidas aumentou, foram 0,4 pp entre aqueles que recebem de cinco a dez salários mínimos, resultando em 29,4% da renda, e 0,3 pp entre os com mais de dez salários mínimos, com 27% comprometidos.

Inadimplentes

Mesmo com renegociações, a cada 100 consumidores com dívidas atrasadas, 45 chegaram em março com atrasos por mais de 90 dias. “Ou seja, quem tem dívidas atrasadas, acumuladas de meses anteriores, acaba com maior dificuldade de pagá-las, pois, com os juros mais altos, o valor da dívida aumenta mais ao longo do tempo”, explicou Izis Ferreira.

A economista aponta que a alta da proporção de consumidores com dívidas atrasadas por mais de três meses mantém aceso o alerta para a necessidade de renegociações e monitoramento do sucesso das dívidas renegociadas pelas instituições financeiras. De acordo Izis, as concessões de crédito aos consumidores estão desacelerando, mas permanecem elevadas, e há uma deterioração da qualidade dos recursos que estão sendo contratados.

Segundo a CNC, as concessões de crédito, neste momento, estão concentradas e avançando no crédito rotativo de curto ou curtíssimo prazo (como cheque especial e cartão de crédito), sendo essas as que apresentam os juros mais elevados do mercado.

No dia 23 de março, Izis Ferreira apresentou os estudos ao secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, para auxiliar no desenvolvimento do programa Desenrola, que objetiva reduzir o endividamento e a inadimplência das famílias que ganham até dois salários mínimos.

Segundo o presidente da CNC, José Roberto Tadros, “a Peic é, hoje, um dos principais indicadores da saúde econômica do Brasil, pois identifica quais os principais gargalos para a melhoria das condições financeiras da população brasileira”.

Para ele, a participação da CNC na construção do Desenrola é resultado da importância da pesquisa, iniciada em 2010 pela confederação, e demonstra a preocupação da entidade no desenvolvimento sustentável do país.

Edição: Fernando Fraga