'Rachadinha' e Carlos Bolsonaro: peça-chave em esquema repassou R$ 647 mil, mas vende quentinhas e acumula dívidas
Segundo o MP-RJ, que apura se vereador se beneficiou dos desvios, ex-servidora fez 219 transferências para o chefe de gabinete do filho do ex-presidente
A ex-servidora Juciara da Conceição Raimundo da Cunha é considerada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) uma das principais peças no suposto esquema de rachadinha no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). Lotada por 11 anos e cinco meses na Câmara do Rio, entre agosto de 2007 e janeiro de 2019, Juciara é a segunda ex-funcionária que mais fez transferências ao chefe do gabinete de Carlos, Jorge Luiz Fernandes, conhecido como Jorge Sapão. Os saques ocorreram entre 2009 e 2018.
Ex-moradora de uma comunidade pobre cercada por barricadas do tráfico em Cordovil, na Zona Norte do Rio, Juciara só não fez mais transferências do que a mulher de Jorge, Regina Célia Sobral Fernandes, responsável pelo envio de R$ 814 mil em 304 lançamentos. Postagens nas redes sociais mostram que Regina e Juciara mantêm relação de proximidade.
Hoje, Juciara aparece como proprietária de uma empresa de fornecimento de quentinhas: a Jucilegal. O comércio está registrado no mesmo endereço da residência de Jorge Sapão e Regina Célia, em um condomínio na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
Ao longo dos anos em que trabalhou com o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com salário de R$ 10 mil mensais, Juciara participou de um esquema de repasse sistemático de dinheiro. Ao todo, segundo o MP, ela fez 219 transações bancárias para o chefe de gabinete, totalizando R$ 647 mil, e 28 transferências para Regina, o equivalente a R$ 40 mil. Em algumas ocasiões, o casal mandou dinheiro de volta para Juciara: Regina enviou 11 créditos (R$ 17 mil); Jorge, 71 (R$ 110 mil).
Vida simples e dívidas
Os dados foram levantados pelo Laboratório de Tecnologia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério Público do Rio (MP-RJ), a pedido da 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada, na investigação sobre suspeita de rachadinha no gabinete de Carlos na Câmara Municipal.
Apesar do bom salário e da alta movimentação em sua conta, a ex-servidora vivia até 2021, segundo vizinhos, em uma casa de tijolo aparente que divide espaço com uma oficina mecânica em Cordovil. Ela também acumula dívidas de R$ 15,4 mil.
Atualmente, supostamente, ela estaria ganhando a vida vendendo quentinhas. Em setembro de 2021, Juciara registrou a Jucilegal. Na Receita Federal, ela cadastrou o “fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para consumo domiciliar” como atividade principal do microempreendimento.
A empreitada, no entanto, não é citada em suas redes sociais nem tem perfil próprio. O endereço da sede é o apartamento de Jorge Sapão, na praia da Barra. O GLOBO esteve no local. O funcionário do condomínio responsável pela portaria afirmou não conhecer Juciara e disse que se tratava de um “engano”. O número de telefone fixo que consta na Receita Federal não existe.
Apesar de ter trabalhado por quase 12 anos no gabinete de Carlos Bolsonaro, Juciara não segue o ex-chefe nas redes sociais tampouco é seguida por ele. Em seus perfis, não faz menção alguma à política. Apenas foi marcada em publicação com conteúdo antipetista. Para os investigadores, uma das hipóteses cogitadas é que Juciara tenha trabalhado para Jorge e Regina. Em sua carteira de trabalho, no entanto, há o registro de apenas um emprego, o da Câmara do Rio. Ela também declarou a autoridades brasileiras ter ensino superior completo, mas não há especificação de qual seria sua formação.
Juciara e Regina são próximas na internet, ambiente em que publicam poucos registros de seus cotidianos. A mulher de Jorge Sapão, no entanto, já fez declarações públicas à ‘grande’ amiga, a quem se refere como ‘Juci’. Na data em que o marido da ex-servidora morreu, Regina compartilhou uma mensagem de acolhimento: “Lembre que você tem muitas pessoas que precisam de você, inclusive eu. Beijos, te amo”, escreveu em publicação no Facebook. Em outras ocasiões, as duas trocaram comentários fraternos.
A reportagem tentou contato com Juciara em mais de uma ocasião. Ela chegou a atender ligações, mas ficou em silêncio e desligou o telefone na sequência. As mensagens foram visualizadas pela ex-servidora. Também tentou contato com Jorge Luiz, que não respondeu. A assessoria de Carlos Bolsonaro não se manifestou.
Por Chico Otavio, Luísa Marzullo e Lucas Mathias
O GLOBO