Polícia Federal aponta ligação entre migração irregular para os EUA e máfia mexicana
A migração ilegal em si não é irregular no Brasil, mas promovê-la a fim de obter lucro passou a ser crime em 2017
FOLHAPRESS
A tentativa de ingresso de brasileiros nos Estados Unidos de maneira ilegal envolve casos de sequestro, estupro e assassinato ligado ao vínculo de agenciadores com a máfia mexicana, de acordo com investigações da Polícia Federal.
O delegado Cristiano Campidelli afirma que agenciadores no Brasil –que fazem o pagamento para viabilizar a travessia da fronteira– só consegue atuar com o envolvimento de pessoas ligadas a mafiosos no México.
Dever a esses grupos pode fazer com que o sonho de entrar nos EUA vire pesadelo e afetar familiares que permanecer no país.
"Eles fazem pagamentos para a máfia [mexicana]. Sem a transferência desses valores, os agenciadores não conseguem operar, e seus clientes serão sequestrados, usados como mula para o tráfico de drogas, estuprados", diz. "É um esquema eminentemente ligado à máfia, a pior possível existente em solo mexicano."
O negócio da migração irregular é bilionário e envolve diversos intermediadores.
O responsável pelo negócio que promove a viagem é conhecido como agenciador, cônsul ou contrabandista; as pessoas que trabalham para ele buscando interessados em migrar são os aliciadores ou recrutadores.
O processo inclui ainda os coiotes, responsáveis pela travessia do México para os EUA –feita, em muitos casos, com pessoas fortemente armadas.
A migração ilegal em si não é irregular no Brasil, mas promovê-la a fim de obter lucro passou a ser crime em 2017.
A Polícia Federal aponta que esse é o terceiro tipo de infração mais rentável no país, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas.
Só em 2021 a promoção da migração ilegal movimentou R $ 8 bilhões.
"A estimativa considera que, em média, cada migrante pagou US $ 20 mil [R $ 112 mil] aos coiotes. A previsão é que, após a pandemia, essa infração pode ultrapassar o tráfico de armas e de drogas [como crime mais rentável no Brasil] ", diz Joziel Brito, chefe do Serviço de Repressão ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes da PF.
Governador Valadares (MG) e cidades vizinhas concentram historicamente o maior número de pessoas que tentam migrar ilegalmente para os EUA.
A reportagem percorreu a região em novembro e encontrou quem trabalha exclusivamente com a promoção da migração irregular.
Há também quem divida a atividade com outra profissão –funcionários de lava a jato, vendedores de imóveis ou donos de agência de viagem. O negócio é discutido às claras.
A reportagem conversou com um contrabandista que garante conseguir colocar a pessoa nos EUA, principalmente pelo esquema conhecido como "cai cai".
Nele, o migrante, acompanhado de um parente em primeiro grau menor de idade, se entrega para as autoridades americanas e liberado para responder ao processo em liberdade.
O sucesso da forma da viagem, cada pessoa chega a pagar até US $ 25 mil (R $ 141 mil) para a travessia.
A oferta costuma envolver a contratação de uma dívida. O agenciador afirma que, no seu esquema, o migrante paga uma entrada quando já estiver nos EUA. Depois, assuma prestações de US $ 1.000 (R $ 5.600) por mês até a quitação.
O esquema começa nos trâmites para a obtenção dos documentos.
O interesse é levado primeiro para emitir o passaporte, depois recebe como passagens e uma quantia inicial em dinheiro a ser levada para a viagem.
Isso porque os custos envolvem subornos, segundo disse à reportagem o contrabandista e interlocutores na PF.
Há, por exemplo, o chamado "pagamento da descida", uma propina de US $ 1.000 para agentes da imigração mexicana –ainda que as rotas para chegar ao México e entrar nos EUA variem.
A embaixada mexicana no Brasil orientou que a reportagem procurasse o Instituto Nacional de Migração.
Até a publicação desta reportagem, porém, não houve retorno.
Notas promissórias assinadas por pessoas que fazem a travessia irregular aos EUA em posse de contrabandistas como garantia da dívida Divulgação ** O pagamento só é realizado em espécie porque, de acordo com a versão de quem promove a viagem, o "dinheiro precisa circular". Um agenciador não quis declarar à reportagem quanto a recebe, mas informou que não teria como justificar uma quantia sem imposto de renda.
Pessoas que trabalham para ele agregam US $ 1.000 de comissão por cliente que fechar o negócio.
Independentemente do formato da viagem –há contrabandistas que aceitam parcelar toda a viagem, por exemplo–, em todos os casos os migrantes precisam dar uma garantia de que irão quitar a dívida, assinando notas promissórias para o pagamento futuro. Há casos de pessoas que dão imóveis e carros como garantia.
Em Governador Valadares não é difícil encontrar personagens desse negócio, tanto do lado dos que ofertam o serviço quanto dos que buscam migrar.
O contrabandista que conversou com uma reportagem disse que a demanda de interesse em deixar o país tem sido intensa a ponto de relatar dificuldades de achar lugares em voos.
Depois de um fluxo reduzido em 2020 em razão da pandemia, a quantidade de brasileiros que tentaram entrar de forma ilegal nos EUA explodiu neste ano.
Dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) apontam que foram mais de 58 mil apreensões em 2021. O crescimento foi de 534% em relação a 2020, quando foram 9.147.
Nas ruas de Governador Valadares, alguém sempre conhece um agenciador, um aliciador ou pessoas que foram para os EUA.
A reportagem visitou uma lanchonete, na esquina das ruas Israel Pinheiro e Barão do Rio Branco, conhecida por reunir que fazem esse tipo de negócio; só ali foram dois contatos realizados.
A reportagem também viagens de viagens. O dono de uma delas negou boleto fazer o serviço de migração irregular, afirmando que só vende a passagem para o México. Pouco depois, porém, entrou em contato com uma pessoa dizendo que havia um cliente interessado.
Os dados da Polícia Federal apontam que 73 pessoas já foram presas por promover uma migração irregular –apesar de a maioria envolver a tentativa de entrada nos EUA, há nessa conta casos de facilitação de viagens para outros lugares.
Na região de Governador Valadares, a corporação já deteve até político formulado no esquema: no ano passado, foram presos o prefeito de Piedade de Caratinga, Adolfo Bento Neto, e um ex-vice-prefeito de Tarumirim, Heli Moura de Paula.
"O coiote funciona como um agiota. Se o migrante diz que não tem nada para pagar o empréstimo, ele pergunta se a mãe tem casa, carro, porque precisa de garantia. Se não houver quitação da dívida, laranjas vão fazer corrigir e tomar propriedades ", diz Daniel Ottoni, delegado da PF em Governador Valadares.
Outro grande cônsul preso pela corporação na região foi Geraldo Magelo de Lima, em Tarumirim, em 2019.
A polícia conseguiu comprovar que ele mandou, em um ano e meio, 282 pessoas para os EUA.
Lima foi apontado em denúncia do Ministério Público como líder de coiotes no Brasil, responsável pela aquisição de passagens aéreas e controle do embarque e desembarque dos migrantes.
Ele também providenciava hospedagens e o traslado até o aeroporto e mantinha comunicação com intermediários no México, repassando fotos dos passageiros. No México, as comparações facilitam o processo, encaminhando os migrantes para residências temporárias, até conseguirem atravessar uma fronteira.
A PF apontou que Lima teve lucro superior a R $ 13 milhões de novembro de 2017 a julho de 2019. Veículos que estavam em posse foram apreendidos –supostamente, passado sido dados como pagamento pelas viagens.
Lima cobrava de US $ 20 mil a US $ 22 mil (R $ 124 mil) de cada migrante irregular. Se a viagem fosse pelo sistema "cai cai", o preço era reduzido para US $ 12 mil (R $ 68 mil). Como o processo envolve vítimas de menores de idade e há uma série de informações relativas às finanças dos réus e das vítimas, ele tramita em sigilo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A Polícia Federal já tem conhecimento que as associações criminosas de Minas Gerais têm procurado migrar para outras unidades da federação, como Rondônia e Espírito Santo.
Endereço, os obrigados esquemas de promoção da migração ilegal e pelo envio de crianças e adolescentes para o exterior a fim de obter lucro (quando há o envolvimento de menores).
Os crimes de associação criminosa e falsidade ideológica também podem estar incluídos.
Por causa do aumento desse crime, uma Polícia Federal criou neste ano a Bemig (Base de Enfrentamento à Promoção da Migração Ilegal e Crimes Conexos) em Governador Valadares. Joziel Brito diz que um dos focos é trabalhar para descapitalizar os envolvidos.
Ele disse que a polícia tem investido em tecnologia, com o cruzamento de dados, para depender menos do depoimento de matado. Isso porque tanto no tráfico de pessoas como na migração irregular como pessoas ficam vulneráveis e não consegue ser boa fonte de informação.
CORREIO DO ESTADO