Pão de ração animal e tâmaras enroladas em gaze: o que crianças comem em Gaza

27/02/2024 04h42 - Atualizado há 9 mêses

Território palestino enfrenta grave crise de fome e desnutrição com a guerra, além de doenças generalizadas

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Irmãos palestinos da família Shehada, que perderam a mãe e fugiram para Deir al-Balah após sofrerem de desnutrição na Cidade de Gaza, brincam em uma tenda em Deir al-Balah

25/02/2024REUTERS/Doaa Ruqqa

Depois de sobreviverem com pães amargos feitos de ração animal em vez de farinha adequada, três jovens irmãos que deixaram sua casa na Cidade de Gaza para uma tenda mais ao sul estavam se alimentando de um pote de halawa, uma pasta doce.

Seraj Shehada, de 8 anos, e seus irmãos Ismail, de 9 anos, e Saad, de 11 anos, disseram que fugiram em segredo para se refugiar com a tia em sua tenda em Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, porque não havia nada para comer na Cidade de Gaza. Eles perderam a mãe e tias nos ataques.

“Quando estávamos na Cidade de Gaza, não comíamos nada. Comíamos a cada dois dias”, relatou Seraj Shehada, falando enquanto os três meninos comiam o halawa direto da vasilha, com uma colher.

“Comíamos comida de pássaro e de burro, qualquer coisa. Dia após dia, não essa comida”, comentou, referindo-se aos pães feitos de grãos e sementes destinados ao consumo animal.

A escassez de alimentos tem sido um problema em todo o território palestino desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro, mas é particularmente grave no norte de Gaza, onde as entregas de ajuda humanitária têm sido mais raras há mais tempo.

Alguns dos poucos caminhões de ajuda que chegaram ao norte foram cercados por multidões desesperadas e famintas, enquanto os trabalhadores humanitários relataram terem visto pessoas magras e visivelmente famintas, com olhos encovados.

Na região central da Faixa de Gaza, a situação é um pouco melhor, mas ainda está longe de ser fácil.

No campo de refugiados de Al-Nuseirat, ao norte de Deir al-Balah, Warda Mattar, uma mãe deslocada que se abrigou em uma escola com seu bebê de dois meses, estava dando a ele uma tâmara enrolada em gaze para chupar, por falta de leite.

“Meu filho deveria tomar leite quando recém-nascido, seja leite natural ou leite em pó, mas não consegui dar leite a ele, porque não há leite em Gaza”, afirmou Mattar.

“Recorri a tâmaras para manter meu filho quieto”, adicionou.

Um pão pequeno a cada dois dias

Na tenda em Deir al-Balah, os três irmãos disseram que perderam a mãe, outro irmão e várias tias na guerra. Eles ficaram com o pai e a avó, e quase nada para comer além de pães feitos de ração animal, observou o irmão mais velho, Saad Shehada.

“Era amargo. Não queríamos comer. Éramos forçados a comê-lo, um pão pequeno a cada dois dias”, disse ele, acrescentando que bebiam água salgada e ficavam doentes, e não havia como lavar a si mesmos ou suas roupas.

“Viemos secretamente para Deir al-Balah. Não contamos ao nosso pai”, destacou.

A tia dos meninos, Eman Shehada, estava cuidando deles da melhor forma possível. Com gravidez adiantada, ela disse que perdeu o marido na guerra e ficou sozinha com a filha, uma criança pequena.

“Não estou recebendo nutrição necessária, por isso me sinto cansada e tonta”, pontuou.

Ela não tem dinheiro nem para comprar um quilo de batatas.

“Não sei como administrar nossas coisas com essas três crianças, minha filha, e estou grávida, posso dar à luz a qualquer momento”, ponderou.

Guerra deixa destruição

A guerra foi desencadeada após um ataque de integrantes do Hamas que saíram de Gaza e atacaram o sul de Israel em 7 de outubro, matando 1.200 pessoas e fazendo 253 reféns, de acordo com Israel.

Jurando destruir o Hamas, Israel respondeu com ataques aéreos e terrestres ao território costeiro densamente povoado, que matou mais de 29.700 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.

A guerra deslocou a maior parte dos 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza e causou fome e doenças generalizadas.

Doaa Rouqa da Reuters