Justiça mantém liberdade de PM que matou inocente saindo do trabalho
Juíza negou pedido feito por advogados do marceneiro Guilherme Dias, que acusaram PM de estar coagindo a única testemunha do caso
A Justiça de São Paulo decidiu manter em liberdade o policial militar que matou com tiros pelas costas o marceneiro Guilherme Dias no último dia 4 de julho. Fábio Anderson Pereira de Almeida ficou preso por menos de duas semanas no final de agosto, mas obteve liberdade provisória em decisão do desembargador Marco de Lorenzi, da 14ª Câmara de Direito Criminal.
No último dia 23 de setembro, os advogados da vítima haviam pedido a decretação de uma nova prisão preventiva, alegando que o PM, réu pelo homicídio, estaria coagindo a única testemunha do caso, um colega de trabalho de Dias que estava a poucos metros dele quando foi baleado.
Relembre o caso do PM que matou marceneiro
O crime aconteceu na noite do dia 4 de julho, na Estrada Turística de Parelheiros, zona sul de São Paulo.
O marceneiro Guilherme Dias Santos, de 26 anos, foi morto com um tiro na cabeça disparado pelo policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o PM reagiu a uma tentativa de roubo praticada por um grupo de motociclistas e atirou contra os suspeitos. Em seguida, ainda no local, viu um homem se aproximando e disparou novamente.
O rapaz, no entanto, era Guilherme, que estava caminhando em direção a um ponto de ônibus e não tinha relação com a ocorrência.
Após matar o marceneiro, Almeida chegou a ser preso em flagrante por homicídio culposo (não intencional). No entanto, foi liberado no mesmo dia, após pagar fiança de R$ 6,5 mil.
Os investigadores da Polícia Civil apontaram contradições no depoimento do policial.
Em 14 de agosto, o Ministério Público de São Paulo apresentou denúncia contra o PM, solicitando prisão preventiva e anulação da fiança.
Na decisão, da última sexta-feira (17/10), a juíza Paula Marie Konno, da 2ª Vara do Júri da capital, afirmou que o fato de a testemunha ter abandonado o trabalho, mudado de endereço e dado depoimentos diferentes não seriam suficientes para demonstrar uma tentativa de coação.
“Não há indicativos concretos que permitam, com segurança, essa vinculação, ao revés, extrai-se dos autos que a testemunha começou a faltar no trabalho no dia 20/08/2025, quando o réu já estava preso há mais de 5 dias, o que esvazia a alegação da acusação neste sentido”, disse a magistrada.
“O mesmo raciocínio também deve ser aplicado à possível mudança de endereço, à míngua de elementos concretos que permitam correlacionar os fatos”, acrescentou.
Mudança em depoimento
De acordo com os advogados de Dias, a testemunha que estaria sofrendo coação foi levada até a delegacia algemada e obrigada a assinar um documento, mesmo sem saber ler e escrever. Só então foi liberado. Ao sair, o rapaz não sabia dizer o que estava escrito no papel.
Apenas na segunda oitiva ela contrariou a versão do PM, dizendo que não houve nenhum roubo na região e que não viu nenhuma movimentação estranha até Dias ser baleado na cabeça.
Segundo o colega de trabalho, os dois caminhavam juntos no momento em que ouviu o disparo e viu a vítima cair. De acordo com ele, foi aí que o policial teria se aproximado perguntando onde estava a arma.
Os advogados disseram que, com medo de sofrer represálias, a testemunha teria sido demitida por justa causa e mudado de endereço.
“Há existência concreta de fatos novos e contemporâneos que justifiquem a segregação cautelar, pois a testemunha já se viu compelida a mudar de endereço e foi dispensada de seu emprego por justa causa, em razão de abandono, após a soltura do acusado, fato que comprova de maneira inequívoca, que a permanência do réu em liberdade compromete a colheita da prova testemunhal e enseja risco concreto à apuração da verdade real”, disseram.
Denúncia
Na denúncia, apresentada em 14 de agosto, o promotor de Justiça Everton Luiz Zanella afirmou que Fabio Anderson Pereira de Almeida não agiu em acordo com a função pública e matou o trabalhador que corria para pegar um ônibus.
Zanella ainda argumentou que o PM atirou três vezes contra o marceneiro e ainda atingiu outra vítima, colocando em risco as pessoas que caminhavam em uma via pública.
“A conduta é completamente inaceitável e caracterizada pela existência de recurso que impediu a reação do ofendido Guilherme, que morreu após um dia de intenso trabalho, num momento em que apenas queria voltar para sua casa e sua família e não poderia — jamais — imaginar que seria alvejado por um disparo”, acrescentou.
Vídeo mostra jovem batendo ponto no trabalho
Vídeos de câmeras de segurança mostram o momento exato em que Guilherme Dias bateu o ponto no trabalho, às 22h23, apenas alguns minutos antes de ser morto pelo policial militar.
Renan Porto
METRÓPOLES