Investigações em BA e SP apontam CACs como fornecedores de armas para facções
Em São Paulo, PF apurou que PCC usou armas com registros legais para assaltos a bancos conhecidos como novo cangaço. Na Bahia, grupo suspeito inclui 4 detentores de registro de caçador, atirador e colecionador.
Colecionadores de armas, atiradores e caçadores (CACs) se tornaram fornecedores de armas e munições para facções criminosas no país, segundo investigações da Polícia Federal e do Ministério Público de São Paulo e da Bahia.
Em 2019, o governo de Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou as regras dos CACs, o que permitiu que mais pessoas tivessem acesso a armas por meio dessa modalidade. Com as mudanças, o número de novas armas registradas por ano saltou de 59 mil, em 2018, para 431 mil em 2022 – último do mandato do ex-presidente.
Governo Bolsonaro liberou em média 619 novas armas por dia para CACs; 47% dos registros foram em 2022
De onde vêm armas, munições e explosivos usados por quadrilhas do 'novo cangaço' em ataques recentes a bancos no Brasil?
Segundo os investigadores, quadrilhas especializadas em ataques conhecidos como novo cangaço ou domínio de cidades utilizam armas fornecidas por CACs em ações nas quais bloqueiam ruas e rodovias para assaltar carros-fortes e bancos e impedir a reação das forças de segurança.
Na terça-feira (21), a PF e o Ministério Público de São Paulo deflagraram a operação BAAL para prender integrantes de uma quadrilha de novo cangaço.
Entre os presos estão pelo menos quatro CACs ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa paulista que atua dentro e fora dos presídios.
Segundo a polícia e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), a investigação começou a partir de uma tentativa de roubo a uma base de valores em abril de 2023, em Confresa (MT).
Na época, criminosos foram presos ou mortos no confronto com as forças de segurança. Um deles era membro do PCC, morava em São Paulo, participou da execução do crime e forneceu as armas utilizadas.
Os principais fornecedores das armas de fogo e de munições utilizadas pela PCC são CACs, aponta a investigação.
"O relacionamento dessa organização criminosa com os CACs foi apurado no sentido que eles fornecem tanto armas e munições que eles adquirem legalmente. Ou seja, eles alugam essas armas, como também [as conseguem] pelos canais informais deles. Então, pelo fato deles estarem numa rede de atiradores, isso facilita que eles adquiram armamento legal, tanto ilegal quanto legal, que fornecem para essas pessoas", afirma o delegado da PF Jeferson Di Schiavi.
O grupo esteve envolvido com ao menos outros 3 casos de novo cangaço:
Criciúma/SC (2020);
Araçatuba/SP (2021);
Guarapuava/PR (2022).
A PF investiga se os CACs foram aliciados pelo crime organizado ou se obtiveram o registro já com o objetivo de financiar ataques do PCC.
O grupo alvo da operação BAAL também é investigado por execuções na cidade de Avelino Lopes (PI) e pela disputa de território para o comércio de drogas em Osasco, na Grande São Paulo, segundo o promotor de Justiça Eduardo Veloso.
"É um grupo que atua em todo país, mas com base em São Paulo e com grupos bem atuantes no Norte e no Nordeste do país", afirmou.
'Como se fosse um traficante de arma'
Também na terça, a PF na Bahia deflagrou a operação Fogo Amigo, com objetivo de prender criminosos que abasteciam com armas de fogo diversas facções criminosas no estado, em Alagoas e em Pernambuco.
Segundo as investigações, entre as armas negociadas pelo grupo estavam fuzis e espingardas calibre 12 semiautomáticas, que são frequentemente utilizados em assaltos de tipo novo cangaço.
Segundo a Polícia Federal, a operação apreendeu 15 pistolas, 6 fuzis, 2 espingardas e 2 revólveres, além de 25 mil munições. Dos 20 investigados com ordem de prisão preventiva, dois seguem foragidos: o CAC Jhonnatan Wallas Reis Alves, de Juazeiro, e o ex-PM Jair Faria da Hora, de Salvador.
A investigação identificou o envolvimento de 4 CACs no esquema:
➡️ Um dos alvos investigados é apontado como intermediador de venda de arma de fogo para facção criminosa. Ele aparece como subordinado de um sargento da PM de Petrolina (PE) que movimentou, segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), aproximadamente R$ 2,1 milhões entre 2021 e 2023. Esse PM atuaria como centralizador no comércio ilegal de armas.
➡️ O segundo CAC alvo da operação, segundo a PF, negociava as armas de fogo fornecidas pelo sargento de Petrolina e lucrava com as vendas ilegais. Ele possui cadastro como vigilante no Sistema de Gestão Eletrônica de Segurança Privada.
➡️ O terceiro CAC é empresário e administra duas empresas, uma especializada em venda de imóveis e outra no comércio de mármore e granito. Segundo o Gaeco, ele possui nove armas registradas em seu nome, sendo 4 fuzis. Ele foi flagrado vendendo munições de fuzil 762, arma que ele não possui, para um policial militar da Bahia, que revendia armas para outros criminosos.
➡️O último CAC apontado na investigação aparece como provável responsável pelo envio de armas de fogo das cidades de Eunápolis (BA) e Porto Seguro (BA) para Juazeiro (BA), onde seriam recebidas por um traficannte de armas e para o sargento de Petrolina.
"Os CACs, na verdade, não são todos, mas os que estão atuando com o objetivo de lucro, eles passam a atuar também fora da lei, como se fosse um traficante de arma. Eles conseguem adquirir essas armas através de empresas, empresas inicialmente legalizadas, eles cumpram essas munições", diz o Rodrigo Motta de Andrade, chefe da Delegacia Regional de Polícia Judiciária da Polícia Federal na Bahia.
Por Isabela Leite, César Tralli, GloboNews e TV Globo — São Paulo