Forças Armadas gastam R$ 25 milhões para pagar salários de “mortos vivos”
Benefício é pago em forma de pensão a familiares de militares expulsos da Marinha, Exército e Aeronáutica
As Forças Armadas gastam cerca de R$ 25 milhões por ano com pagamento de pensões aos parentes dos chamados “mortos ficto”, como são chamados os militares que estão vivos, mas receberam penalidade máxima de expulsão da corporação.
Por lei, nesta situação, familiares passam a ter direito de receber o salário de quem “morreu apenas no papel”.
Ao todo 404 ex-militares estão nessa condição. A maior parte do Exército (238), seguido pela Força Aérea Brasileira (99) e a Marinha (67). Juntas, as três Forças pagam pensão a 560 pessoas, entre esposas, companheiras e filhas.
As informações foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Fiquem Sabendo, uma organização sem fins lucrativos especializada em transparência, e repassadas à CNN.
A figura jurídica do “morto ficto” foi criada para atender à Lei 3.765, de 1960, que regulamenta as pensões militares. O texto definiu que o militar expulso não perde o direito aos vencimentos já que, durante o tempo em que serviu, parte do salário era recolhida para custear o benefício.
Como o pagamento não pode ser feito diretamente aos condenados, eles passaram a ser considerados “mortos fictícios” (como também são chamados), e os familiares ganharam o direito de receber o salário do oficial ou praça.
Nove ex-coronéis estão entre os “mortos fictícios” do Exército. Um deles foi preso em 2014 com 351 kg de maconha prensada em um fundo falso de um furgão no Rio de Janeiro.
Ele foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2015 e o processo transitou em julgado em 2020. O Superior Tribunal Militar (STM) só confirmou a perda do posto e da patente em 2022. Há três anos, a filha do ex-coronel recebe mensalmente R$ 13,4 mil.
Recentemente um caso veio à tona envolvendo a falsificação dos cartões de vacina do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus familiares. Um dos envolvidos na fraude, o ex-major Ailton Barros, apesar de ostentar a patente, havia sido expulso do Exército anos atrás.
A Justiça Militar o condenou por uma série de investigações internas – em uma delas, foi investigado por atropelar um integrante da Polícia do Exército que tentou parar o seu carro em uma ocorrência de trânsito na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.
Isso significa que, mesmo se for condenado agora por suposto vínculo com a falsificação de documentos, nada mudará. Parentes continuarão a receber a pensão de R$ 22,8 mil brutos, ou R$ 14,9 mil líquidos, como ocorre desde outubro de 2008.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União tenta reverter esse benefício. Citando argumentos de responsabilidade fiscal, o procurador Lucas Furtado pede que o Tribunal reavalie seu entendimento sobre o direito à pensão por morte ficta “em consonância com a evolução da sociedade, do Direito e da própria Constituição Federal”.
“A chamada “morte ficta” mostra-se inteiramente incompatível com o regime das pensões militares ao tornar a expectativa de vida do contribuinte objeto de ficção e ferir de morte esse fator absolutamente relevante para o equilíbrio atuarial”, escreve Furtado.
A CNN tentou contato com os advogados de Ailton Barros, mas até o momento não obteve retorno.
Leonardo Ribbeiro da CNN