Enchente no Sul e seca no Norte evidenciam desafios dos eventos climáticos extremos
Enquanto Sul do país sofre com chuvas, Amazonas se prepara para enfrentar seca com potencial para causar prejuízo bilionário
Chuvas intensas, enchentes, deslizamentos de terra, períodos de seca e ondas de calor tendem a se tornar cada vez mais comuns no mundo, destacando a urgência da preparação para lidar com as consequências das mudanças climáticas. Esse é o alerta de especialistas há, pelo menos, duas décadas. No Brasil, enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta os estragos das fortes chuvas desde abril, o Amazonas se prepara para lidar com uma seca que pode acarretar prejuízos bilionários para a indústria e o comércio.
No caso do Rio Grande do Sul, o desastre causado pelas chuvas já é considerado o mais grave evento climático já registrado na história do estado, com um saldo de mais de 100 mortes e cerca de 330 mil desabrigados, com consequências devastadoras também para a economia.
Autoridades alertam que a reconstrução do estado pode demorar meses, talvez anos, e o governador Eduardo Leite (PSDB) chegou a mencionar a necessidade urgente de um plano de reconstrução semelhante ao “Plano Marshall”, em referência ao programa de assistência fornecido pelos Estados Unidos aos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.
A ex-presidente do Ibama e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima Suely Araújo destaca que ambientalistas e cientistas há muito alertam para a intensificação e frequência dos eventos climáticos extremos.
“Essa tragédia no Rio Grande do Sul mostra que nós agimos pouco no sentido de nos prepararmos para esse tipo de situação. A mudança climática é global, mas há previsões de que aquela região sofreria com o excesso de chuvas e inundações em modelagens climáticas de mais de uma década atrás. Assim, como há previsões de que a região Norte sofreria com a redução do volume hídrico. Tudo isso tem que ser tomado como lição.” (SUELY ARAÚJO, EX-PRESIDENTE DO IBAMA E COORDENADORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA)
Os dados do Centro Nacional de Desastres Naturais, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, mostram que o Brasil tem superado recordes de desastres climáticos ano após ano.
Em 2023, foram reportados 1.161 eventos, com 716 relacionados a desastres hidrológicos, como transbordamento de rios, e 445 de origem geológica, como deslizamentos de terra. Isso significa que todos os dias o país registra três desastres climáticos.
Piores secas na Amazônia
Na região norte do Brasil, a Amazônia enfrentou uma das piores secas já registradas em 2023. Em outubro, o nível do Rio Negro atingiu seu ponto mais baixo desde 1902, chegando a apenas 12,7 metros. O calor extremo também causou a morte de mais de 150 botos cor-de-rosa no lago Tefé, onde as temperaturas alcançaram 39,1ºC. Além disso, houve cerca de 22 mil focos de incêndio na floresta Amazônica só em outubro, marcando um recorde para o mês desde 2008.
A onda de calor e a queda acentuada nos níveis dos rios impactou a vida dos habitantes locais, dificultando o deslocamento das comunidades ribeirinhas e o transporte de água, alimentos e outros itens essenciais.
Diante desse cenário, neste ano, foram conduzidos diversos estudos para avaliar medidas necessárias nos rios que chegam a Manaus, capital do Amazonas, visando garantir a navegabilidade durante a estação seca no segundo semestre. Como resultado, o CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas) elaborou um projeto que deverá ser implementado em cerca de 30 dias, caso a seca se confirme.
A pesquisa mapeou áreas críticas ao longo da rota fluvial, incluindo o Tabocal e a Foz do Madeira, na região sul, além de destacar a necessidade de intervenções na região Norte. Integrante da Comissão de Logística do CIEAM, Augusto Cesar Rocha destaca que o estudo confirmou que o nível do rio em 2024 está 2 metros abaixo do que o que foi registrado em 2023, quando o Amazonas enfrentou a pior seca da história.
“A Amazônia, há muito tempo, vem sendo negligenciada pelo poder público na questão da infraestrutura. O que estamos apresentando aqui é uma solução para evitar um novo prejuízo econômico para a indústria e o comércio. O desafio é evitar o cenário do ano passado, quando registramos mais de R$ 1,4 bilhão de custos excessivos por conta da seca severa. (AUGUSTO CESAR ROCHA, INTEGRANTE DA COMISSÃO DE LOGÍSTICA DO CIEAM (CENTRO DA INDÚSTRIA DO ESTADO DO AMAZONAS))
Além disso, o grupo está considerando a implementação de um flutuante no Amazonas para contornar os efeitos da seca nos rios. O projeto envolve a construção de um píer flutuante temporário na enseada do Rio Madeira, com dimensões de 180 metros de comprimento por 24 metros de largura.
“A instalação do píer flutuante é uma medida proativa que se alinha perfeitamente com as necessidades da região, considerando mais uma possível seca severa dos rios, que são nossas estradas naturais”, reforça Augusto. “Estiagem não é algo novo, sempre tivemos dificuldades e não podemos permitir que o que aconteceu em 2023, quando os navios deixaram de passar, volte a acontecer”, completa.
Ações do Congresso Nacional
Nesta semana, o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), propôs um conjunto de projetos de lei destinados a fortalecer a resposta do Estado brasileiro à crise climática. Esses projetos visam organizar o Estado para lidar com desastres climáticos, fornecendo respostas imediatas e preparando-se para eventos futuros.
“Quantas mortes mais nós vamos assistir antes que essa Casa [Câmara dos Deputados] tome consciência de que precisa levar a sério a agenda ambiental? Quantos eventos climáticos precisa? É preciso dizer que o que está acontecendo no Rio Grande do Sul tem CPF e tem CNPJ, e tem representação política dentro desta Casa.” (DEPUTADO FEDERAL NILTO TATTO (PT-SP), PRESIDENTE DA FRENTE PARLAMENTAR AMBIENTALISTA)
Os parlamentares enfatizam a necessidade de o Congresso Nacional agir para prevenir novas tragédias. Para isso, eles defendem a aprovação de projetos que promovam a adaptação climática tanto da sociedade quanto dos municípios.
O documento com as propostas de adaptação climática foi entregue aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Confira alguns dos projetos de adaptação ambiental propostos:
• Lei do Pantanal (PL 9950/2018)
• Água Potável como Direito e Garantia Fundamental (PEC 06/2021)
• Reconhecimento do Cerrado e Caatinga como Patrimônio Nacional (PEC 504/2010)
• Duplicação dos Prazos na Lei de Crimes Ambientais (PL 1457/2024)
• Dia de Combate ao Racismo Ambiental e Climático (PL 2658/2023)
• Manejo Integrado do Fogo (PL 1818/2023)
• Integração dos Cadastros Ambiental e Rural (PL 1865/2022)
• Exploração Sustentável do Bioma Pantanal
Hellen Leite, do R7, em Brasília