Em júri no Rio, Beira-Mar diz que não ordenou mortes na rebelião em 2002
Acusado de ter liderado uma guerra de facções, em 2002, dentro do presídio de segurança máxima Bangu I, no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, disse durante julgamento no Fórum do Rio, nesta quarta-feira (13), que é inocente neste processo. O réu afirmou que não ordenou as quatro mortes de traficantes rivais, ocorridas durante a rebelião.
“Eu cometi vários crimes. Nesse, eu sou inocente”, defendeu-se.
Segundo a acusação, Beira-Mar teria conseguido abrir caminho dentro do presídio para invadir a ala. O réu negou e disse que ouviu a confusão de longe e foi chamado depois pelos agentes penitenciários para negociar a paz dentro da cadeia, por ser considerado tranquilo.
Ainda segundo o réu, ele ficava na ala A,junto com uma facção que também era distribuída pela ala C, de onde teria partido o ataque executado por 20 criminosos. Os quatro mortos, incluindo o traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, eram da segunda quadrilha, situada na ala D.
O problema era entre as galerias C e D. Ouvimos tiros e pensamos que era fuga. Sabíamos que tinham tomado a cadeia. Nisso, todos correram. Só entrei na galeria depois do fato. Os inspetores chegaram a me pedir ajuda porque sabiam que eu era um cara tranquilo. Nem cheguei a entrar e o Celsinho [da Vila Vintém] já estava saindo [da galeria], contou.
Testemunha é ex-rival
Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho, então traficante de uma facção dissidente à de Beira-Mar, foi interrogado como testemunha de defesa, antes de o réu ser chamado. Ao júri, disse que tentou se proteger do ataque dos presos e que o Beira-Mar não estava junto. Ao ser encontrado, ouviu de traficantes rivais que não seria assassinado.
“Vim aqui, como testemunha dele, para pagar a dívida, por terem me deixado vivo”, afirmou, sob olhar e sinais de concordância de Beira-Mar.
Além de Uê, foram mortos na rebelião Carlos Alberto da Costa, o Robertinho do Adeus; Wanderlei Soares, o Orelha, e Elpídio Rodrigues Sabino, o Pidi.
Celsinho ironizou a qualidade da penitenciária durante uma das perguntas, em que Bangu 1 foi citado como presídio de segurança máxima. Segurança máxima é brincadeira, né?”, debochou, provocando risos.
Traficante autônomo
Beira-Mar, que sempre foi apontado como líder da facção que comandou a rebelião, afirmou ao júri não pertencer a facção alguma. No depoimento, disse que era autônomo e que vendia drogas para várias quadrilhas, inclusive para a que foi atacada.
Sempre que a promotoria enfatizava que ele orquestrou a rebelião, ele balançava a cabeça negativamente de forma enfática. Com semblante sempre compenetrado, ele acompanhou atentamente cada fala da acusação. Por vezes, consultou o código penal, para conferir artigos citados pela acusação.
Júri de 5 mulheres e 2 homens
Já condenado a cerca de 200 anos de prisão por crimes diversos, o traficante voltou ao banco dos réus nesta quarta para enfrentar o júri popular composto por cinco mulheres e dois homens.
A sessão começou com mais de duas horas de atraso, às 15h20, devido à ausência de uma das testemunhas de defesa, que acabou dispensada. Outras oito testemunhas, todas de acusação, foram dispensadas pelo Ministério Público.
Por volta das 13h, horário previsto para o início da sessão, houve tumulto devido ao grande número de pessoas que desejava entrar no tribunal. Estagiários de direito, advogados, jornalistas e parentes do réu – para os quais Beira-Mar mandou beijos – estavam entre os que queriam acompanhar o julgamento (veja no vídeo acima).
Segurança custou R$ 120 mil
O traficante chegou ao Fórum ainda pela manhã, às 10h15, de helicóptero. Por motivos de segurança, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e as polícias Federal e Militar não divulgaram o efetivo usado no esquema, que custou R$ 120 mil.
Em nota, o Depen informou que não se pronuncia sobre questões referentes a operações antes do término da missão. Dentro do tribunal ficaram dois PMs e cinco agentes do Depen.
Na abertura da sessão, foram sorteados sete entre 25 jurados. Não podem participar do mesmo conselho de sentença marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e sogra, genro e nora, cunhados, tio e sobrinho, padrasto, madrasta e enteado, bem como o jurado que for parente até 3º grau do juiz, do representante do Ministério Público e do defensor público. O MP teve direito a três recusas no sorteio de jurados.
Uma das assistentes de acusação do MP, Fabíola Leite, comentou sobre a ausência de quatro agentes do Degase que acabaram dispensados. Segundo a denúncia, eles teriam recebido R$ 400 mil para que as armas entrassem no presídio antes da rebelião, mas testemunhar contra Beira-Mar seria como assinar uma pena de morte.
Seria surpreendente que aqui tivesse uma testemunha que depusesse contra ele. Isso seria suicídio, disse Fabíola.
Defensor e promotor têm, cada um, uma hora e meia para apresentar suas teses aos jurados. Depois, cada um tem mais uma hora para réplica e tréplica.
Após o debate, os jurados são levados para uma sala secreta para dar os votos para cada um dos quesitos que são apresentados pelo juiz, com aprovação de defesa e acusação.
Com o resultado da votação dos jurados, o magistrado irá realizar a dosimetria (o cálculo) da pena, caso o júri condene o réu, e fará a leitura da sentença em plenário.
Quase 200 anos de condenação
A última vez em que Beira-Mar se viu diante de um júri popular foi em 2013, quando foi condenado a 80 anos de prisão pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio.
De acordo com o Tribunal de Justiça, só no Rio de Janeiro Beira-Mar já tinha tem nove condenações em execução antes do júri desta quarta, somando 133 anos e 6 meses de prisão. Há ainda outros processos em andamento, inclusive na Justiça Federal, por lavagem de dinheiro, contrabando e associação para o tráfico internacional de drogas.
O traficante possui ainda condenações em outros estados, como no Paraná, com 29 anos e 8 meses, no Mato Grosso, com 15 anos, e em Minas Gerais, 11 anos. Com isso, a pena total, em todo o país chega a 189 anos e 2 meses.
O traficante está preso desde 2002. Ele passou pelo presídio de Catanduvas, no Paraná e, desde 2012, está em um presídio federal em Porto Velho (RO), de onde foi trazido ao Rio para o júri desta quarta.
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