Cesta básica, falta de arroz e recusa de doação de Portugal: tragédia no RS gera fake news

16/05/2024 04h39 - Atualizado há 6 mêses

De caminhões com donativos ‘impedidos de entrar no estado’ a jet skis impedidos de ajudar’, desinformação prejudica auxílio ao Rio Grande do Sul

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Tragédia no RS originou onda de fake news

PEDRO FRANÇA / AGÊNCIA SENADO

A calamidade causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul desde o fim de abril originou diversas fake news na internet. Veja a seguir algumas das notícias falsas que foram disseminadas sobre a tragédia no estado.

É falso que o governo federal esteja “colocando embalagens com a logo do Ministério do Desenvolvimento Social nas cestas básicas doadas pela população”.

Imagens de cestas básicas adquiridas pelo MDS são divulgadas com a falsa informação de que seriam doações da população embaladas com a logo do Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome para promoção da imagem do governo. Isso é mentira. A pasta adquire cestas básicas e, essas sim, são identificadas com a marca do governo federal e um selo proibindo a venda delas, pois são gratuitas. As doações de alimentos e outros itens encaminhadas por particulares, empresas, instituições religiosas e ONGs não recebem o selo do governo.

• Doações de Portugal para o RS

É falsa a informação de que o “governo federal recusou doações vindas de Portugal para o Rio Grande do Sul”.

A comunidade brasileira em Portugal, bem como cidadãos portugueses, arrecadaram mais de 200 toneladas de doações para ajudar os gaúchos que atravessam este período de calamidade. A ABC (Agência Brasileira de Cooperação) e o Ministério de Portos e Aeroportos vêm articulando com a Força Aérea Portuguesa um plano para levar essas doações ao Rio Grande do Sul.

• Doações internacionais

É falso que o “governo só permite a entrada de produtos usados no país e proíbe a doação de itens novos”.

O governo federal passou a permitir, por 30 dias, a importação de produtos usados — de consumo e máquinas — que forem doados por outros países para o Rio Grande do Sul. Uma portaria da Secretaria de Comércio Exterior do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) suspende por 30 dias as regras restritivas. O prazo poderá ser prorrogado. Na verdade, a importação de bens de consumo usados é proibida, enquanto a de bens de capital usados (máquinas e equipamentos) só pode ser feita na ausência de produção nacional. Doações internacionais de bens novos sempre foram permitidas. A portaria facilita, por 30 dias, a entrada de doações para o Rio Grande do Sul.

• Abastecimento de arroz

É falso que “haverá desabastecimento de arroz”. Essa mentira tem levado as pessoas a estocarem arroz sem necessidade.

O governo federal publicou a Medida Provisória 1.217/2024 autorizando, em caráter excepcional, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a importar até um milhão de toneladas de arroz para abastecimento dos estoques públicos. A decisão foi tomada diante comprometimento da produção gaúcha, que é responsável por cerca de 68% do arroz produzido no Brasil. Em ato conjunto, os ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Agricultura e Pecuária e da Fazenda definirão a quantidade de arroz a ser adquirida, os limites e as condições da venda do produto. A compra será realizada por meio de leilões públicos a preço de mercado. Os estoques serão destinados, preferencialmente, à venda para pequenos varejistas das regiões metropolitanas. A autorização é limitada ao exercício financeiro de 2024.

• Ibama não autuou maquinário

É mentira que o “IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) estaria impedindo a atividade de maquinário envolvido na recuperação de estradas no estado do Rio Grande do Sul”. De acordo com a superintendência do IBAMA no estado, o órgão não está atuando nas estradas. O IBAMA-RS criou um Centro de Incidentes com diversas equipes dedicadas a ajuda humanitária com atuação conjunta com a Defesa Civil e Exército. A autarquia leva alimentos a comunidades indígenas vítimas das enchentes em Porto Alegre.

• Anvisa não está “dificultando a entrada de medicamentos no RS”

É falsa a alegação de que a “Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estaria impedindo a remessa de medicamentos para doação ao Rio Grande do Sul”.

A Anvisa já esclareceu que não efetuou qualquer restrição ao transporte de medicamentos destinados ao estado. Em vez disso, a Anvisa publicou duas resoluções da Diretoria Colegiada que estabelecem medidas excepcionais e temporárias para o enfrentamento dos desafios de saúde no Rio Grande do Sul.

A RDC nº 863 promove a suspensão, por 90 dias, dos prazos processuais relacionados aos requerimentos de atos públicos de liberação de responsabilidade da Anvisa; os previstos na Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977; os dispostos na RDC nº 266, de 8 de fevereiro de 2019; e os definidos na RDC nº 743, de 10 de agosto de 2022. A norma também permite que a agência priorize análises que visem o acesso a produtos estratégicos para o enfrentamento da situação de calamidade, que devem ser indicados pelo Ministério da Saúde ou Secretaria de Estado de Saúde do Rio Grande do Sul.

Já a RDC nº 864 flexibiliza o receituário para medicamentos de uso controlado para os municípios do RS. A norma permite, em caráter temporário, a dispensação de medicamentos sujeitos à Notificação de Receita.

• Governo federal não está “dificultando o transporte de itens necessários para o RS”

É mentira que o “governo brasileiro estaria atrapalhando o transporte de itens necessários ao RS”. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não está “retendo veículos de carga nas vias de acesso ao estado”. A agência esclareceu que não existe retenção de veículos com doações nas vias de acesso ao Rio Grande do Sul. Segundo o órgão, em função da calamidade enfrentada pelo estado, não será exigida a apresentação de nota fiscal aos condutores de veículos que transportam donativos, visto que o processo de fiscalização foi simplificado para que os itens cheguem o mais rápido possível nos locais atingidos.

Não há “solicitação de nota fiscal” e nem “aplicação de multas sobre veículos que transportam donativos”. Os vídeos que circulam na internet afirmando que a “ANTT reteve veículos de doação” são falsos.

A ANTT anunciou uma série de medidas de flexibilização regulatória e de fiscalização, conforme estabelecido no Decreto Legislativo nº 236/2024, para facilitar o transporte de donativos e o deslocamento de passageiros na região.

A Portaria DG nº 110, de 8/5/2024, formaliza medidas que já estavam sendo adotadas pela agência para auxiliar a população gaúcha. As orientações abrangem diversos modos de transporte sob jurisdição da ANTT, incluindo rodovias concedidas, transporte interestadual de passageiros e transporte de cargas.

Os veículos de transporte rodoviário de carga que transportem donativos destinados ao atendimento da população RS são prioritariamente atendidos e dispensados dos procedimentos de fiscalização nos Postos de Pesagem Veicular em todas as Rodovias Federais Concedidas.

• Documentos fiscais de caminhões

Em 7 de maio, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) decidiu pela dispensa da emissão de documento fiscal na operação e na prestação de serviço de transporte relativo à remessa de mercadorias doadas para assistência a vítimas de calamidade no RS. Para isso, o motorista deve apresentar uma declaração de conteúdo.

O material conduzido deve ser destinado ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, à Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Sul, às prefeituras gaúchas e às entidades beneficentes sem fins lucrativos do Rio Grande do Sul.

O Rio Grande do Sul está autorizado a conceder isenção de ICMS incidente nas saídas decorrentes de venda para estabelecimentos contribuintes localizados nos municípios declarados em estado de calamidade pública.

• É falso que “o Exército enviou poucos helicópteros para resgate das vítimas das enchentes no RS”

O Exército brasileiro não se limitou a “enviar três helicópteros para o resgate de vítimas no Rio Grande do Sul”. Foram empregados pelo menos seis helicópteros. As aeronaves se juntam aos equipamentos da FAB (Força Aérea Brasileira), que coordena os resgates aéreos das vítimas das chuvas. A FAB enviou pelo menos 16 aeronaves para auxiliar no socorro às vítimas, sendo 15 helicópteros e um avião de carga. O Exército e a Força Aérea Brasileira iniciaram uma operação para levar 427 toneladas de doações de Brasília ao Rio Grande do Sul. Duas aeronaves da FAB e 19 carretas do Exército, de empresas privadas e de voluntários, seguiram com as arrecadações. Uma logística de guerra montada pelos militares.

• É falso que “o governo gaúcho está fiscalizando documentação de jet skis e barcos que atuam em resgates”

O governo do Rio Grande do Sul não está “impedindo as pessoas que possuem barcos ou jet skis de atuarem nos resgates em Canoas (RS)”. Também é mentira que “estão sendo cobradas autorização e habilitação das pessoas que usam os equipamentos para resgate”. O governo do Rio Grande do Sul não está “autuando os veículos usados nos resgates de vítimas das enchentes”.

• “300 corpos foram encontrados em Canoas”

A alegação de que “300 corpos foram encontrados em Canoas” é mentirosa. Também não é verdade que haja “mais de 2 mil mortos”. De acordo com o boletim da Defesa Civil divulgado na terça-feira (14), o número de pessoas mortas desde o início das chuvas que devastaram boa parte do Rio Grande do Sul chegou a 148 — um óbito a mais do que ontem —, segundo boletim da Defesa Civil atualizado ao meio-dia. Há também 124 desaparecidos e 806 feridos. Mais de 615 mil pessoas estão fora de casa, das quais 76,8 mil permaneciam em abrigos nesta terça-feira.

• Governo não “destinou mais alimentos a Cuba que para afetados pelas enchentes no RS”

Não é verdade que o governo “Lula tenha destinado mais alimentos a Cuba do que à população afetada pelas enchentes no Rio Grande do Sul”. O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e a Conab já enviaram às vítimas da tragédia cerca de 387 toneladas de alimentos em cestas básicas.

Reações

A disseminação de fake news tem gerado reações nos Poderes da República. Em 7 de maio, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, pediu a abertura de investigação de influenciadores digitais e contas em redes sociais que disseminam mentiras. Em ofício enviado ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, Pimenta enumera uma série de mentiras que vêm causando impacto na crise enfrentada pelos gaúchos.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que há pessoas agindo como “verdadeiros coaches do caos”. A fala ocorreu em meio à polêmica provocada pelo coach Pablo Marçal. que tem alegado inércia na atuação das Forças Armadas para prestar auxílio à população gaúcha. Padilha não citou Marçal ao falar sobre os “coaches do caos”, mas ressaltou os danos causados por informações falsas divulgadas pelas redes sociais.

A AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com uma ação judicial com pedido de resposta para esclarecimento das postagens e ressaltou “que as publicações infringem os termos de uso da própria plataforma — que proíbe a publicação de conteúdo enganoso ou fora de contexto com potencial de causar confusão generalizada sobre questões públicas.”

A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a disseminação de informações falsas relacionadas às enchentes no Rio Grande do Sul, por determinação de Lewandowski. A ministra Cármen Lúcia será a relatora do procedimento no STF (Supremo Tribunal Federal).

A decisão de abrir o inquérito veio depois que o comandante militar do Sul, o general Hertz Pires do Nascimento, destacou os impactos causados pelas fake news, em reunião de emergência com ministros em 9 de maio no Palácio do Planalto.

No dia seguinte (10), o governo Lula estabeleceu uma sala de situação para elaborar estratégias de combate às fake news relacionadas à catástrofe no RS. O primeiro encontro ocorreu na sede da Advocacia-Geral da União, em Brasília, e contou com a participação da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, do Ministério da Justiça e da Polícia Federal.

Carlos Eduardo Bafutto, do R7, em Brasília