Bactéria E. coli é alterada para transformar lixo plástico em paracetamol

08/07/2025 05h36 - Atualizado há 3 dias

Alimentar bactérias com resíduos plásticos para produzir remédio é uma solução engenhosa, ecologicamente correta e economicamente viável

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Usar bactérias reduz a dependência do petróleo, e transforma um poluente em remédio popular • Freepik

Um estudo publicado recentemente na revista Nature Chemistry pode ser considerado uma combinação impressionante entre engenharia genética, química e consciência ambiental. Em uma experiência inusitada, cientistas usaram uma bactéria para transformar plástico de garrafas PET em paracetamol.

A façanha foi realizada por pesquisadores da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e envolveu a Escherichia coli, uma das bactérias mais usadas em experimentos científicos, e que está presente no solo, na água, em resíduos orgânicos e até mesmo na microbiota dos nossos intestinos.

É a primeira vez na história que cientistas conseguiram realizar uma reação química sofisticada — no caso, o “rearranjo de Lossen” — não em um tubo de ensaio, como normalmente acontece, mas sim dentro da bactéria E. coli, e sem matar ou prejudicar a célula.

Tradicionalmente, o rearranjo de Lossen é uma transformação química que geralmente só acontece em laboratório, com solventes, calor ou catalisadores, e, principalmente, fora de sistemas vivos. Isso porque os materiais envolvidos (como bases fortes, reagentes e solventes orgânicos) são letais para células.

Atualmente, a maioria dos medicamentos, inclusive o paracetamol, é produzida com derivados do petróleo como matéria-prima. Dessa forma, usar lixo plástico como matéria-prima é uma solução ambientalmente vantajosa, pois reduz a dependência do petróleo, e transforma um poluente em remédio popular.

Como os cientistas usaram bactérias para produzir paracetamol?

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Divulgação

Como prova experimental em ambiente intracelular, os cientistas criaram uma linhagem de E. coli geneticamente modificada para ser incapaz de produzir PABA (ácido para-aminobenzoico). Essa substância é fundamental para que a bactéria cresça, pois é um dos blocos de construção do ácido fólico.

Isso cria um dilema, pois, uma vez modificada, a bactéria só cresce se receber PABA do meio externo, ou se for capaz de fabricá-lo de outra maneira. É aí que entra em ação a reação de Lossen usada no estudo. Ao fornecerem à cultura, um substrato desse processo, os autores reativaram o crescimento das bactérias.

O substrato — um O-acil hidroxamato — é um composto com nitrogênio e oxigênio ligados a uma cadeia acilada, que pode ser transformada em isocianato e depois em amina aromática, no caso o PABA. Só que inovação não parou por aí.

Os autores resolveram converter as bactérias em pequenas fábricas celulares. Para isso, pegaram um componente das garrafas PET, o ácido tereftálico, e o transformaram em compostos que foram absorvidos pelas bactérias Escherichia coli. Dentro delas, ocorreram duas etapas cruciais.

A primeira foi o rearranjo de Lossen, uma reação química não natural, que produziu o PABA a partir do derivado do plástico. A segunda foi uma rota biossintética enzimática, criada pela engenharia genética, que converteu o PABA em paracetamol.

Implicações do uso da engenharia genética em processos industriais

Além de extraordinariamente eficiente, o processo desenvolvido pelos cientistas se mostrou ambientalmente vantajoso. Das moléculas de PABA que entraram no processo, 92% foram convertidas em paracetamol em apenas dois dias, tempo considerado rápido para esse tipo de reação.

A eficiência se manteve alta mesmo quando o processo começou diretamente com o resíduo plástico, e não apenas com o PABA puro. O método funciona em temperatura ambiente e as bactérias fazem todo o trabalho sozinhas, sem necessidade de reatores industriais ou produtos químicos tóxicos.

Essa “química verde” resulta também em menos gasto de energia (pois não há aquecimento/pressurização). Sem queima de combustível, reduzem-se também as emissões de CO₂. Economicamente, o sistema é mais barato de operar e mais seguro, pois não há manipulação de substâncias tóxicas.

Para os autores, a viabilidade dessa abordagem, tanto em termos de produtividade quanto de sustentabilidade, aponta para possíveis aplicações em larga escala no futuro próximo, desde a fabricação de medicamentos até a conversão de resíduos em bioprodutos.

Jorge Marin, colaboração para a CNN