Análise: Trump tenta recrutar generais e almirantes para sua causa política

02/10/2025 05h41 - Atualizado há 19 horas

Discurso do presidente dos EUA sintetizou a pressão política que os líderes militares americanos enfrentam

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Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursando em base da Marinha de Quantico • REUTERS

Quando um juiz federal dos Estados Unidos repreendeu o governo de Donald Trump por usar as Forças Armadas em Los Angeles no início deste mês, ele incluiu uma nota de rodapé pouco notada, mas chocante.

A nota dizia que Gregory Bovino, alto funcionário do Departamento de Segurança Interna, começou a "questionar a lealdade" de Scott Sherman, major-general da Guarda Nacional dos EUA, ao país, depois que ele se opôs reservadamente à demonstração de força planejada pelo governo no Parque MacArthur da cidade.

Sherman é um veterano do Iraque com 30 anos de serviço, e aqui estava um indicado político sugerindo que ele era desleal por questionar os planos do governo.

O caso sintetizou a pressão política que os líderes militares dos EUA enfrentam enquanto Trump avança com o envio das Forças Armadas para solo americano e até mesmo afirma que cidades do país poderiam ser usadas como "campo de treinamento" para tropas, como fez na terça-feira (30).

Seu notável discurso para generais e almirantes militares em Quantico, Virgínia, levou as coisas a outro nível.

Uma questão pode ser levantada: Os líderes militares aceitam incondicionalmente uma estratégia extraordinária que os críticos — incluindo ex-oficiais militares de alto escalão do primeiro mandato de Trump — temiam que pudesse resultar em uma militarização constitucionalmente corrosiva da pátria?

Até mesmo muitos americanos parecem ter reservas quanto a essa possibilidade.

Uma pesquisa do New York Times e do Siena College, divulgada na terça-feira, mostrou que mais eleitores registrados temem que Trump use as tropas para intimidar seus oponentes políticos do que aqueles que temem que a criminalidade saia do controle se os soldados não forem acionados.

Isso nos leva ao evento de terça-feira em Quantico. Houve muitas perguntas sobre a convocação bastante incomum de generais e almirantes de todo o mundo para uma apresentação pelo Secretário de Defesa Pete Hegseth.

Para Trump, pelo menos, a ocasião parecia ser para convencê-los a aderir ao seu programa político.

Em um discurso longo e muitas vezes desconexo para as autoridades militares, Trump proferiu uma série de frases que teriam sido muito mais apropriadas para um comício de campanha – falando mesmo com as autoridades sentadas em silêncio, como manda o protocolo.

Ele fez referências automáticas e mergulhou em suas alegações, muitas vezes exageradas, de ter encerrado mais de meia dúzia de guerras e em suas esperanças de um Prêmio Nobel da Paz.

O presidente exaltou suas próprias conquistas e atacou repetidamente os democratas. Nada disso se adequava à ocasião ao se dirigir a um público supostamente apolítico.

Mas o mais impressionante e significativo é que Trump pareceu tentar recrutar generais e almirantes para sua repressão doméstica.

Ele e Pete Hegseth, secretário de Defesa, tentaram colocá-los contra os democratas, a academia, supostos radicais de esquerda e a imprensa.

Trump sugeriu que os generais e almirantes seriam cruciais para sua luta contra o "inimigo interno" e poderiam usar o território nacional como um "campo de treinamento".

"Estamos sob invasão interna. Não é diferente de um inimigo estrangeiro, mas é mais difícil em muitos aspectos, porque eles não usam uniformes", alegou.

"Em nossas cidades do interior – sobre as quais falaremos, porque é uma grande parte da guerra agora. É uma grande parte da guerra", adicionou.

Em outro momento, pontuou: "Eu disse ao Pete que deveríamos usar algumas dessas cidades perigosas como campos de treinamento para nossas Forças Armadas – a Guarda Nacional, mas militares. Porque entraremos em Chicago muito em breve".

“São Francisco, Chicago, Nova York, Los Angeles. São lugares muito inseguros. E vamos lidar com eles um por um. Isso vai ser um fator importante para algumas das pessoas nesta sala. É uma guerra também. É uma guerra interna", concluiu.

Trump, que frequentemente se alimenta da energia e das interações da multidão, tentou repetidamente envolver mais os generais e almirantes — aparentemente ansiando por afirmação, ou pelo menos algo que pudesse passar como tal.

Em certo ponto, ele perguntou se eles concordavam com sua postura de "eles cospem, nós batemos" em relação aos manifestantes.

Em outro momento, ele pediu que levantassem a mão se achassem que o chefe do Estado-Maior Conjunto, Dan Caine, "não prestava". Quando, sem surpresa, eles não levantaram a mão, Trump interpretou isso como um endosso à sua escolha.

Os comentários de Trump foram feitos após um discurso de Hegseth, que pelo menos se concentrou mais especificamente em sua filosofia militar.

Ele usou seu tempo para enfatizar a importância de "combatentes" experientes e de aumentar os padrões de condicionamento físico e aparência pessoal no Departamento de Defesa.

Mas a apresentação de Hegseth também foi altamente política. Além de ridicularizar repetidamente a suposta "consciência" das Forças Armadas e de visar pessoas transgênero ("caras de vestido", na visão de Hegseth), ele buscou dividir os líderes militares e o que ele classificava como instituições de esquerda.

"Veja bem, as salas de aula dos professores da Ivy League nunca nos entenderão, e tudo bem, porque eles jamais conseguiriam fazer o que vocês fazem", disse Hegseth.

"A mídia vai nos deturpar, e isso é normal porque, no fundo, eles sabem que o motivo pelo qual conseguem fazer o que fazem é você", acrescentou.

Trump também tentou colocar os generais e almirantes contra os democratas.

"Eles não trataram vocês com respeito. Eles são democratas", afirmou Trump.

A mensagem: Somos seus verdadeiros aliados políticos. Estamos do seu lado, e eles não.

Foi uma degradação notável da linha entre as Forças Armadas e a política, e um exemplo ameaçador para aqueles que temem as tentativas de Trump de politizar as Forças Armadas e o que isso poderia significar.

Os americanos não parecem concordar com Trump nisso, a julgar não apenas pela pesquisa Times-Siena, mas também por outras pesquisas. Os cidadãos dos EUA, em geral, não gostam da ideia da Guarda Nacional em suas próprias ruas ou nas ruas de qualquer outra pessoa.

Mas Trump está avançando. E o evento de terça-feira parecia ser sobre garantir que não haja mais major-general Sherman.

"Se vocês querem aplaudir, aplaudam", comentou Trump no início do discurso, observando o silêncio dos generais e almirantes.

Em seguida, acrescentou em tom de brincadeira: "Se não gostam do que estou dizendo, podem sair da sala. Claro, lá se vai sua patente. Lá se vai seu futuro".

Aaron Blake, da CNN