E se o adotando fosse você?

25/05/2019 00h00 - Atualizado há 4 anos

Recebemos pelo watts...

Não sabemos a autoria, mas é um texto fantástico que, inverte a lógica da adoção de crianças /adolescentes.

Vamos refletir?

“Oi, que menino lindo você é!”, disse o homem, completando na sequência: “quero muito uma família, você não acha que a gente podia formar uma bem bacana?”. A companheira dele, logo ao lado, me fitava com olhos claros e marejados. Seu rosto tremia um pouco quando falou “se você quiser, a gente te leva para casa”. Olhei para meu irmão, mas eu percebo quando ele não gosta de alguma coisa, igual quando a gente joga Uno e eu tenho que deixá-lo ganhar. Ele ficou em silêncio, só olhando pro chão.

Olhei para o juiz e falei: “eles são lindos, tenho certeza de que encontrarão filhos logo e formarão uma família, mas eu e meu irmão vamos continuar esperando mais um pouco”. O juiz disse que não havia problema, mas tive a impressão de que ficou desapontado. Meu irmão escolheu essa como a pior hora para se manifestar: “eu quero um pai que pareça o Neymar, e esse daí não parece”. Fiquei sem graça e tentei consertar: “excelência, desculpe o Miguel, ele sabe que não é assim que se escolhe o pai e a mãe”.

“Tudo bem, Joaquim, se não teve química, não teve, mas aí vocês sabem que chamaremos outras crianças para eles”. Anuímos e fomos embora, tristes.

Miguel, no caminho de casa, falou que achava muito demorado surgir um pai parecido com o Neymar. Nós já mudamos o perfil dos pais duas vezes: no começo, preenchemos aquela ficha e colocamos pais de no máximo 25 anos, saudáveis, e que tivessem renda mensal de pelo menos 10 salários mínimos. Nesse período, nunca ninguém ligou para trazer nossos pais. Quando fomos ao fórum perguntar, a assistente social explicou que quanto maior a renda que nós colocássemos, mais difícil era surgir um casal de 25 anos disponível, porque com essa idade não há muito tempo para eles avançarem na carreira e nos estudos. Aí nós mudamos, passamos para 35 anos no máximo e com renda de até 7 salários mínimos. Depois disso, até fomos conhecer dois casais. Eu me interessei por um que já tinha um Xbox em casa, mas o Miguel não quis. Pra mim, ele fala que não gostou deles porque não se via filho deles, mas eu tenho certeza de que é porque eles torciam pro Vasco. Aí mudamos mais uma vez: agora, são casais de até 40 anos, com problemas tratáveis e com até 5 salários.

Aí houve mais tentativas. Veio um casal mês passado que deixou o Miguel encantado. Mas ele só gostou da mulher, que sabia cantar as musiquinhas de que ele gosta. Do rapaz ele não gostou. O rapaz teve uma doença na infância que afetou o movimento de uma das pernas, nada que o impedisse de se locomover, trabalhar ou sair com os amigos, mas o Miguel não gostou. Naquele dia pensei em sair do cadastro de adoção, de tanto que brigamos. Acredita que o Miguel chegou a perguntar se podia separar o casal, pra sermos adotados só pela mulher? Fico triste, mas eu o entendo. O Miguel não se conforma de não estar com nossa mãe biológica. Fomos de médico em médico ver se ela se recuperava para ser nossa mãe, mas eram tratamentos muito caros e dolorosos, então não deu certo. Daí foi quando eu falei pra ele: “nós sempre quisemos ser adotados mesmo, vamos no Fórum, tem tantos filhos por aí que abandonam os pais, e a gente procurando”.

Eu sigo esperando e vou dando apoio para o Miguel, enquanto a nossa chance não chega. Somos bons com adultos, e é uma pena não termos pais: quando estamos com adultos em casa, é uma festa. Eles nos adoram! Então só faltam nossos pais para nós sermos filhos mesmo.

Tem uns amigos nossos no cadastro, e passaram um tempo difícil com um casal. Começaram a aproximação, o juiz fez o “termo de guardado” para eles, mas eles devolveram o casal. Parece que o casal já estava falando para os colegas do trabalho que eram pais, montaram quarto e tudo, viram o batizado e tudo, e aí as crianças desistiram. Disseram que os pais tinham comportamentos muito difíceis. Eu achei um exagero. Olhar no celular em vez de conversar na mesa de jantar é comportamento normal de qualquer adulto! Não é por que o pai fez isso de vez em quando que é para ir devolver, imagina.

Mas nós vamos continuar esperando no cadastro. Não queremos fazer nada fora da lei. Teve época que íamos de escritório em escritório, procurando adultos para levar para casa, fora da fila. Mas no curso preparatório para ser adotado, o pessoal explica que não é assim que o cadastro funciona, porque os adultos que estão lá trabalhando têm já seus filhos, e que a lei estabelece que toda vez que tiverem de tirar os pais dos filhos, todos terão de tentar fazer os pais voltarem. Eu já acho a lei errada nessa parte! Se tirou o pai do filho, é porque o filho não presta, não tem jeito! Tem que ir logo pro cadastro, pra ir para filhos melhores.

Bom, embora a lei seja assim burocrática, nós vamos ficar sim na fila. Pode demorar, mas nosso sonho de ser filho fala mais alto que a espera. Ainda mais agora, que lançaram aplicativos que mostram uma lista de adultos fora do perfil da maioria das crianças. Também estão levando os adultos disponíveis para exibirem em shoppings, no YouTube, no Facebook, e até em estádios! Vamos procurar o Neymar!

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